É curiosa a reação que um ávido leitor pode ter ao descobrir que uma livraria de sua cidade está oferecendo desconto de até 80% nas obras de seu estoque. Especialmente se este leitor, assim como eu, for... digamos... Um pouco econômico.
Primeiro veio a surpresa. Em seguida, a incredulidade. A última etapa foi a da convicção, a qual se deu quando me deparei diante da livraria, que exibia na entrada o enorme cartaz com o anúncio do desconto.
Embora eu ainda não conseguisse acreditar, já havia feito durante o percurso uma lista de pelo menos dez títulos que há tempos eu esperava para ler. E, se eu estivesse com sorte, poderia trazer comigo quiçá metade ou mais que isso; sendo período de final de ano, vai que de repente os benditos estivessem sob uma promoção natalina. Nunca se sabe...
Sendo este que vos fala dotado de uma imaginação bastante fértil, minha mente ocupou-se com diversas possibilidades. Já conseguia me vislumbrar lendo um após o outro, com a satisfação de ter gastado pouco com eles, semelhante à sensação da criança que constrói um castelo de areia à beira da praia. Sim, pois se existir uma lista de excitação literária, certamente livros baratos é um dos itens mais chamativos.
Enfim, a espera terminou. Entrei, acompanhado de minha humilde e incrível inocência, e procurei não perder tempo: fui logo para a prateleira dos Best-sellers. E assim veio o primeiro impacto; mais da metade dos livros que eu planejei comprar não constavam ali. Tudo bem. Isso é normal, pensei eu.
Então sofri o segundo impacto. A livraria aceitava apenas pagamento em espécie. Lascou-se, disse comigo mesmo. Quem tinha o sonho de sair dali com uma pilha de obras parceladas em várias vezes no cartão de crédito, teve suas asinhas cortadas.
Nada de tão grave, eu supus, uma vez que os descontos já iriam favorecer muito o ato da compra. Peguei dois dos livros que almejava adquirir e me direcionei até o balcão. Perguntei à funcionária quanto ambos teriam de abatimento. Ela me respondeu: 10%.
Nunca fui bom com números, mas ainda assim imaginei que o valor seria bem reduzido. Foi quando veio o terceiro impacto. Engoli a seco, enquanto meu castelo de areia era destruído por um tsunami. Devolvi os títulos aos seus respectivos lugares e vaguei por entre as prateleiras de História e Serviço Social. Àquela altura, me restavam duas opções: eu poderia ir embora sem levar nada, ou ao menos poderia escolher uma obra para disfarçar a decepção.
E então eu vi. Na parte mais alta de uma prateleira, um livro de capa azul olhava para mim. “A Culpa é das Estrelas”, do autor John Green, foi o que li. Nada mal, eu pensei. Uma obra aclamada pela crítica literária, e que inclusive era um dos títulos da minha lista, por que não ser a sorteada do dia? Voltei ao balcão e perguntei quanto ficaria com o desconto, na esperança de que o valor fosse razoável considerando a finura do livro. Como se isso fosse critério básico para estabelecer o preço de uma obra...
E percebi que, se ainda restava alguma coisa do meu castelinho de areia, a terra tratou de tragar os resquícios dos escombros.
Três reais de abatimento.
Cansado, desanimado, e com vontade de sair dali, não resisti e decidi comprá-lo. Na saída, me questionei se havia algum culpado nessa história. Eu, que permito que meu senso econômico deturpe a realidade? A livraria, que poderia ter sido mais gentil em seus descontos? Ou o próprio desconto, motivo que me levou até lá?
Culpados à parte, um novo livro me aguardava, e depois voltei a pé para casa.