domingo, 27 de novembro de 2011

Túnel do Tempo





O universo musical é uma área bastante misteriosa e intrigante. Quantas vezes, ao se ver diante de uma bela canção, você já se perguntou como determinado cantor conseguiu compô-la e atribuir-lhe um ritmo e melodia? É algo tão mágico e de uma harmonia extraordinária, que demonstra que tal habilidade pode não ser apenas uma vocação, mas também - e principalmente - um dom.

Contudo, a maneira com a qual os músicos se utilizam para compor suas obras não é o único mistério na música. É certo que existem canções com letras lastimáveis, as quais fazem apologia ao crime, adultério, drogas e depressão (sem falar outras coisas) e que têm a função de induzir pessoas de mentes frágeis a cometer atos que provavelmente não fariam se estivessem em pleno uso de suas faculdades mentais. Isto é irrefutável.

O interessante é que, por mais que o tema da música seja a tristeza pela perda de algo ou a dor de cotovelo por não conseguir ficar com alguém de que se gosta, sua letra pode ser salva por um videoclipe e através dele ganhar um novo significado. Este é o caso da canção Túnel do Tempo, do Frejat.

Ao analisar a letra isoladamente, há de se pensar que o sujeito da música está se referindo a uma pessoa. No entanto, ao assistir o clipe, essa interpretação pode ser traduzida na relação entre um animal de estimação e seu dono. O que, pessoalmente, considero uma situação bem mais bonita e pura.

Talvez este seja mais um dentre tantos outros segredos da música: possuir uma letra que abra caminho para outro campo interpretativo, de preferência um que seja mais saudável. Aliás, encontrar exemplos de canções cujos clipes se sobressaem aos seus conteúdos não é tão difícil quanto se pensa, basta observar com mais atenção os detritos musicais que estão espalhados por aí e que, inacreditavelmente, caem na graça do povo. Pois é, há mais mistérios no universo musical do que supõe nossa vã filosofia.


Letra:


Nosso encontro aconteceu como eu imaginava
Você não me reconheceu, mas fingiu que não era nada
Eu sei que alguma coisa minha em você ficou guardada
Como num filme mudo antes da invenção das palavras
Afinei os meus ouvidos pra escutar suas chamadas
Sinais do corpo eu sei ler nas nossas conversas demoradas
Mas há dias em que nada faz sentido
E o sinais que me ligam ao mundo se desligam

Eu sei que uma rede invisível irá me salvar
O impossível me espera do lado de lá
Eu salto pro alto, eu vou em frente
De volta pro presente

Sozinho no escuro, nesse túnel do tempo
Sigo o sinal que me liga à corrente dos sentimentos
Onde se encontra a chave que me devolverá
O sentido das palavras ou uma imagem familiar?
Mas há dias em que nada faz sentido
E os sinais que me ligam ao mundo se desligam

Eu sei que uma rede invisível irá me salvar
O impossível me espera do lado de lá
Eu salto pro alto, eu vou em frente
De volta pro presente...

sábado, 19 de novembro de 2011

Desastre


"Regra #1: Não se envolva".


Eis uma pequena revelação: existem dois tipos de seres humanos. Aqueles que estão fadados a uma rotina comum e cansativa, escravos da previsibilidade e que tentam, a qualquer custo, alcançar um padrão de vida aceitável por meio de vícios e luxos que geralmente não têm condições de pagar. E também há os destinados, pessoas com o potencial de realizar grandes feitos, graças a inteligência ou sorte, e que quase sempre conseguem entrar para a História.

Pode não ser uma descoberta bombástica, talvez até mesmo descartável para alguns, mas poderá causar um leve efeito sobre sua vida. E acredite, após a leitura de Desastre, é importante ficar ciente de que a absorção de uma simples informação já é o bastante para mudar um futuro inteiro.

S.G. Browne é um escritor norte-americano e criou um cenário no qual virtudes (Coragem, Honestidade, Verdade), pecados (Luxúria, Gula, Preguiça) e sentimentos (Amor, Raiva, Hostilidade) são seres imortais, que vivem na Terra no intuito de ajudar ou prejudicar os humanos pelos quais são responsáveis. Podem se transportar para qualquer parte do universo, ficar invisíveis, e não devem - em hipótese alguma - quebrar a primeira regra: interagir com seres humanos.

A trama é narrada por Fado (nome mortal: Fábio), personagem principal que tem a função de designar as sinas de mais de 5 bilhões de pessoas ao redor do mundo. Cansado de cuidar de tantas criaturas superficiais que tentam preencher seus vazios e fracassos pessoais com capitalismo, consumismo e traição, Fábio passa parte do tempo livre saciando seus prazeres sexuais com Destino (que, por sinal, é ninfomaníaca), almoçando com Gula, ou tendo raros encontros com Dennis (mais conhecido como Morte). E Deus, a entidade suprema que comanda todos eles, prefere ser chamado de Jerry.

O cotidiano de Fado ganha uma reviravolta com a chegada de uma nova inquilina no prédio em que reside. Sara Griffen, além de ser uma linda mulher, está na Trilha de Destino, o que significa que Fábio não pode ler sua sina. Apesar de somente sentir que ela está destinada a um futuro grandioso, algo de inexplicável e misterioso nela o atrai. Ambos se conhecem, se apaixonam e iniciam um romance proibido.

O que já parecia ruim, fica ainda pior. Além de quebrar a primeira regra e criar sentimentos afetivos por uma mulher mortal, colocando em perigo seu emprego e arriscando sua imortalidade, Fábio encontra no amor uma maneira de ajudar os humanos que estão em sua Trilha. Logo, ao modificar os futuros pelos quais estavam predestinados, ele também cria um efeito dominó de proporções cósmicas, capaz de desequilibrar o universo e causar uma confusão no Céu. Estará Fado preparado para assumir as responsabilidades de suas transgressões? O amor que ele sente por Sara, ainda que seja puro, poderá resistir à desaprovação de todos, incluindo a de Deus?

Em Desastre, S. G. Browne se destaca através de um texto leve e contemporâneo, nos transportando por várias ruas de Nova York e nos apresentando a um romance moderno e sem clichês. O enredo foi trabalhado com equilíbrio, sarcasmo e perspicácia, e o final é totalmente imprevisível e muito bem arquitetado. Virtudes, pecados, emoções, podem ser distintos e possuírem características únicas, porém são as ferramentas que constroem o caráter humano. Nós escolhemos o que queremos ser e fazer e, quando a decisão estiver difícil, é preciso lembrar: não importa o que aconteça, Fado e Destino estão aqui para se encarregar do resto. E seja o que Jerry quiser.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Os Agentes do Destino


"Eu sei o que sinto por ela e isso não vai mudar. As minhas escolhas sou eu quem faço. E eu escolho ela".


Todos nós construímos planos. Somos capazes - ou ao menos temos a ilusão dessa capacidade - de arquitetar um plano, organizá-lo até alcançar o limiar da perfeição e executá-lo exatamente como foi calculado. Obviamente, nem todo plano sai como o esperado, e por várias razões; às vezes por surgir um obstáculo que modifica o rumo dos acontecimentos e faça com que o caminho do plano seja alterado; outras vezes, as falhas podem ser encontradas no próprio plano, revelando a fraqueza do objetivo planejado.

Nossas escolhas determinam não somente o futuro, mas também todas as séries de planejamentos que precisaremos fazer. E ainda que muitos acreditem no poder do livre-arbítrio, há momentos em que alguns refletem a respeito da possibilidade de que existe algo regendo o plano de cada um de nós. Em Os Agentes do Destino, somos apresentados a essa ideia de maneira impactante, revelando que certos caminhos podem ser reajustados para aqueles dispostos a pagar um alto preço por isso.

David Norris (Matt Damon) é um jovem congressista em ascensão em busca de uma vaga no Senado do estado de Nova York. Ao passo que demonstra talento e afinco para os negócios, Norris também revela imaturidade diante de algumas situações, o que o faz perder as eleições. Exilado dentro de um banheiro, ele conhece a bailarina Elise (Emily Blunt) e em questões de poucos minutos, por meio de um diálogo nada convencional, o cupido lança a sua flecha e arrebata os dois corações.



Dias depois, por puro acaso, David reencontra-se com a dançarina misteriosa dentro de um ônibus. Ambos trocam seus números na promessa de se verem novamente em um futuro próximo. O que eles não sabiam, porém, é que não era isso que o Plano pedia. Ao chegar no trabalho, Norris é abordado por homens engravatados, cada qual com chapéus na cabeça, que o explicam que são responsáveis por fazer com que a trajetória de cada ser humano do mundo siga de acordo com o Plano.

Esses seres enigmáticos são comandados por uma criatura superior, O Cabeça, que decreta todos os planos. E não está no Plano de David Norris encontrar-se mais uma vez com Elise, pois se o fizer, causará uma sucessão de eventos com potencial de destruir os sonhos dos dois. Norris, acreditando na força do amor, lutará para conseguir sua amada de volta, enquanto circunstâncias das mais adversas insistem em os separar.


O filme foi dirigido e escrito por George Nolfi, e o roteiro foi baseado em um conto de Philip K. Dick, escritor de ficção científica e também autor de outras obras que foram ao cinema, como Minority Report, O Vingador do Futuro e Blade Runner. Embora a adaptação feita por Nolfi seja digna de alguns méritos (as cenas das portas sendo utilizadas como um meio de transporte são geniais), o diretor poderia ter ousado mais no drama dos personagens e, principalmente, na ficção, que é o tema central da obra original. Entretanto, o roteiro preocupa-se mais em romantizar do que extrair reflexões filosóficas do público.

Ironicamente, faltou um pouco mais de planejamento em Os Agentes do Destino. A catarse no final não é alcançada, talvez pela ausência de agilidade nos últimos momentos ou pela falta de uma trilha sonora mais elaborada. De qualquer maneira, fica a impressão de que o longa, cuja temática é ótima, tem muito mais a oferecer. Prova de que, por mais que o plano seja bem intencionado, isso não o impede de sair pela culatra.


"Se ficar com ela, além de matar seus sonhos, matará os dela também".


Trailer:

sábado, 5 de novembro de 2011

Só de Sacanagem





Dizem que a esperança é a última que morre. Ainda que milhões de cidadãos concordem com esta assertiva, diante de alguns casos, isso não é garantia de imortalidade. Infelizmente ou não, a esperança é suscetível à morte, sim. E para muitos, quando o assunto é a corrupção que se alastra cada vez mais no Brasil, ela já bateu as botas há muito tempo.

É certo que muitas pessoas lavaram suas mãos e desistiram de lutar contra o monstro da corrupção. Algumas por perceberem que tal criatura é poderosa demais e que, por isso, confrontá-la seria em vão; outras por terem permitido que o bicho exalasse seu veneno e infectasse suas mentes, deturpando suas escolhas e fazendo-as optar por aquilo que é mais "fácil" e tentador.

O esquema de batalha é exatamente este: ou você se prepara para guerra, ou se corrompe, ou se omite até que chegue um dia que o sistema te force a decidir em qual lado irá agir. O que se pode ver na atualidade é que os guerreiros, os poucos que ainda restam, conseguem travar batalhas e conquistar territórios por um breve momento; em seguida, o sistema utiliza-se de suas artimanhas para estagnar os rebeldes e distanciá-los mais e mais da inalcançável criatura. E em quase 100% dos casos, o sistema vence.

Dessa forma, em tempos em que lutar à exaustão não causa ferimento algum ao grande inimigo, a única arma que resta ao guerreiro é a confiança e a esperança de que um dia, ainda que demore milênios, a coisa mude para melhor. Mas parece que até isso está difícil de se fazer, de modo que a população necessita de um estimulo, uma fonte inspiradora.

A arte, como sempre, mostra a solução. A poeta Elisa Lucinda, nas sublimes linhas do texto Só de Sacanagem, revela que há de se ter fé porque o guerreiro é munido de uma arma que o monstro despreza totalmente: a honestidade. O ato de criar laços de confiança entre você e o próximo, relembrando aos esquecidos o que significa ética, educação, e curando os cegos do vírus da corrupção.

E no dia em que a liberdade for alcançada, no instante em que todos (pelo menos grande parte) estiverem curados, no exato segundo que a honestidade expulsar a nefasta criatura para as profundezas, as vozes dos guerreiros irão ecoar pelo país inteiro, concordando entre si e tendo o orgulho de dizer que a esperança, de fato, é imortal.








Só de Sacanagem


Meu coração está aos pulos!

Quantas vezes minha esperança será posta à prova?

Por quantas provas terá ela que passar? Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu, do nosso dinheiro que reservamos duramente para educar os meninos mais pobres que nós, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais.

Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova?

Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais?

É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.

Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e os justos que os precederam: "Não roubarás", "Devolva o lápis do coleguinha", "Esse apontador não é seu, minha filha". Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar.

Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar e sobre a qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará. Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda vou ficar.

Só de sacanagem! Dirão: "Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba" e vou dizer: "Não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo, a gente consegue ser livre, ético e o escambau."

Dirão: "É inútil, todo mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal". Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal. Eu repito, ouviram? IMORTAL! Sei que não dá para mudar o começo, mas se a gente quiser, vai dar para mudar o final!