quarta-feira, 30 de março de 2016

Batman vs. Superman: A Origem da Justiça


Agora nós sabemos a verdade, não é? Demônios não vêm do inferno, abaixo de nós... Não. Eles vêm do céu”.

O cineasta Zack Snyder tem um apreço muito forte por quadrinhos. Isso é notável em seu histórico, já que foi responsável por filmes como 300, Watchmen e O Homem de Aço. Sua assinatura é perceptível na tonalidade das cores, na câmera lenta, no abuso de efeitos especiais, e essas características fazem com que ele seja a figura mais aparentemente preparada na atualidade – depois de Christopher Nolan, é claro – para dirigir um filme de herói sombrio e realista.

E muitos fãs receberam com alegria (mesclada com receio – bastante, por sinal) a notícia de que Snyder também comandaria Batman vs. Superman: A Origem da Justiça, longa que não apenas dá continuidade ao que foi estabelecido em O Homem de Aço como é o estopim para a Warner firmar os alicerces do universo cinematográfico da DC.


Dezoito meses depois da destruição de Metrópolis causada pela batalha de Superman (Henri Cavill) contra o general Zod (Michael Shannon), a população do mundo encontra-se dividida em relação ao caráter e intenções de uma criatura extraterrestre com poderes sobre-humanos. Uma das pessoas que mais menospreza o kriptoniano é Bruce Wayne (Ben Affleck), pela desconfiança adquirida ao longo de anos combatendo o crime e pela quantidade exorbitante de vidas que sucumbiram no primeiro filme. 

Essa é uma premissa bastante interessante para fazer dois grandes heróis dos quadrinhos terem um combate inédito nos cinemas. Contudo, em questões de minutos as falhas de Batman vs. Superman começam a aparecer e, durante a projeção, fica claro que o filme possui desespero em sua essência. Cinematograficamente falando, a Marvel está anos-luz à frente da DC, e esta, para não perder ainda mais tempo, resolveu trilhar um caminho inverso ao da sua rival.


A consequência da pressa faz com que o roteiro e edição fiquem desnorteados tanto pelo excesso de informação quanto pela abundância de personagens. Além de apresentar um novo Batman, o enredo também mostra Lex Luthor (Jesse Eisenberg), Mulher-Maravilha (Gal Gadot), Apocalipse (este muito mal aproveitado, como uma besta irracional), e toda uma subtrama investigativa protagonizada por Lois Lane (Amy Adams), deixando pouco tempo livre para o embate entre Homem Morcego e o Filho de Krypton. E embora a produção tente negar, isso é controverso; como pode faltar tempo em uma película de duas horas e meia? 

É óbvio que a intenção de Batman vs. Superman é direcionar a cronologia da DC para o filme da Liga da Justiça e outros futuros projetos (Mulher-Maravilha, Aquaman, Flash, etc), mas era de se esperar um mínimo de coerência. E como se não bastasse a destruição exacerbada que ocorreu em O Homem de Aço, Snyder presenteia o espectador com um clímax megalomaníaco; afinal, para o diretor, tudo é válido em detrimento do espetáculo visual.   


Todo filme de herói precisa ter um vilão marcante, esse é um dos ensinamentos que Christopher Nolan deixou. Infelizmente, até neste quesito o enredo tropeça; sabe-se que Batman e Superman irão se enfrentar, e que é necessário fazer a tensão crescer enquanto o momento não chega. Se o antagonista fosse somente Lex Luthor, a função de todo seu plano nefasto faria sentido (Bem no estilo Coringa). Porém, o próprio roteiro prejudica o personagem e, na tentativa de ostentar com Apocalipse, algumas ações de Lex não têm tanta veemência e a atuação de Jesse Eisenberg, mesmo tendo um admirável empenho, não o faz tão amedrontador quanto deveria.


Apesar de falhas que podem ser consideradas graves para muitos fãs, é preciso reconhecer que a trama possui seus méritos. O Batman de Ben Affleck é extraordinário; inspirado no Cavaleiro das Trevas de Frank Miller, aqui o espectador é apresentado a um Bruce Wayne cansado, traumatizado, impiedoso e sem muitas motivações para ter esperança na humanidade. Clark Kent entra como um opositor à altura, carregando toda a simbologia messiânica envolvendo o Superman e se transfigurando em um distintivo de fé para os cidadãos que confiam nele.  


Batman vs. Superman: A Origem da Justiça, como o título já entrega, deixa muitas pistas no ar e a promessa de que os heróis da DC irão fundar a Liga da Justiça e lutar contra uma ameaça muito maior, e isso já é suficiente para fazer milhares de fãs entrarem em delírio. Zack Snyder outra vez cria um produto esteticamente belo, mas que possui buracos em sua estrutura e que fará diversos espectadores terem opiniões heterogêneas. Pelo menos a DC pode ficar mais tranquila agora que seu universo teve as portas abertas. É o cinema cedendo mais um espaço para os heróis dos quadrinhos, e dando novas razões para apreciar esse tipo de arte.

A maior batalha de gladiadores da história do mundo. Deus versus homem. Dia versus noite”.

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sexta-feira, 18 de março de 2016

Spotlight: Segredos Revelados


Se toda comunidade educa uma criança, toda a comunidade abusa dela”.

Em tempos longínquos, houve um período em que uma das características mais virtuosas do jornalismo era o seu comprometimento e fidelidade para com a veracidade dos fatos. Infelizmente, o retrato da realidade contemporânea, além de estar longe dos belíssimos atributos de outrora, é gritante; é deveras difícil acreditar em qualquer coisa que venha de uma mídia corrupta, conspiratória, voltada exclusivamente para si e os interesses privados que a permeiam.

Diante de um jornalismo cínico, narcisista e hipócrita, é triste constatar que o jornalismo genuíno vem caindo cada vez mais no ostracismo. Entretanto, para a sorte daqueles profissionais que levantam a bandeira da verdade e que não desistem tão fácil, ainda existem fontes de inspiração nas quais eles podem se apoiar. É o exemplo de Spotlight: Segredos Revelados.  


Inspirado em uma história real, o enredo do filme narra a epopeia jornalística que a equipe Spotlight (redação responsável por notícias investigativas) do jornal The Boston Globe tem de enfrentar para cobrir uma matéria a respeito de casos de pedofilia envolvendo padres da Igreja Católica da região. 


O time, composto por Mike Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matt Carroll (Brian d’Arcy James), cada um com seu objetivo e destaque particular, é liderado pelo editor Walter Robinson (Michael Keaton) e conduz o desenrolar da investigação de maneira competente e com atuações formidáveis, as quais se intensificam na medida em que as descobertas de abuso sexual não param de aumentar. 


Dirigido e roteirizado por Tom McCarthy e vencedor dos Oscars de Melhor Roteiro Original e Melhor Filme, o longa se assemelha com outro ganhador, Whiplash, no aspecto de ter tido um orçamento pequeno, uma direção singela, mas uma repercussão gigantesca. 


A direção de McCarthy, que geralmente comandava trabalhos pequenos em sua carreira, não é algo surpreendente, porém isso não deixa a temática do filme menos revoltante; aqui o roteiro tem um papel inestimável em denunciar as práticas de pedofilia e, no caso de algumas vítimas, detalhar o modo como eram abusadas. O restante da produção parece reconhecer esse valor, transparecendo o cuidado e zelo ao transmitir as informações adquiridas por cada repórter.


Em 2003, a equipe do Spotlight recebeu o prêmio Pulitzer por essa investigação, a qual ajudou a descobrir outras centenas de casos ao redor do mundo. Desse modo, nos tempos atuais em que as redes sociais ganham mais abrangência e autonomia e em que notícias falsas e maquiadas são distribuídas de forma tão leviana e corriqueira, é realmente glorioso contemplar uma obra como Spotlight: Segredos Revelados, demonstrando de que jeito o jornalismo genuíno deve ser aplicado. Um belo ensinamento para adotar no trabalho e para obter na vida. 

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sexta-feira, 4 de março de 2016

Deadpool


A Fox, pobre coitada, acumula em seu histórico um conjunto de obras ruins. Já não bastasse a ausência de coerência na cronologia de X-Men, sua franquia mais lucrativa, o estúdio ainda guarda em seu currículo as terríveis lembranças de X-Men Origens: Wolverine e o recente e não menos patético Quarteto Fantástico. E, como algumas manchas do passado precisam ser superadas – e esquecidas –, é preciso encontrar meios de sobrepujá-las.  

Deadpool surge como uma luz para que a Fox encontre a esperança de dias de glória. A película, que passou anos em fase de produção, e que teve uma forte campanha de marketing impulsionada quase que totalmente por Ryan Reynolds, finalmente conseguiu seu espaço para apresentar o Mercenário Tagarela de maneira cômica e satisfatória. E sobra espaço para o personagem zoar com os filmes mencionados acima.


O enredo do filme é simples e contado em estilo não linear. Wade Wilson (Reynolds) é um mercenário com passado sanguinário, mas que atualmente vive para ajudar pessoas que se sentem oprimidas de alguma forma. No bar onde os outros mercenários se reúnem, ele conhece a prostituta Vanessa (Morena Baccarin) e ambos iniciam uma relação amorosa.


Porém, não é o amor que causa a maior reviravolta na vida de Wade; o encarregado disso é o câncer em estado avançado que se espalhou por várias partes do seu corpo. Logo surge um misterioso homem que faz uma proposta aparentemente irrecusável ao moribundo: curar sua doença e transformá-lo em herói. E após um longo processo de experimentos brutais e tortura, nasce Deadpool, com super força e poderes regenerativos.


Deadpool é uma obra, digamos, diferenciada. É o primeiro longa de herói com classificação etária alta, por isso espere muito sangue, palavrões e um pouco de nudez. Além do aspecto sanguinário, o filme também traz dos quadrinhos outra forte característica: a quebra da quarta parede, em que o personagem fala diretamente com o público, que inclusive muitos fãs interpretam como esquizofrenia. 


A façanha para que esses elementos não prejudiquem a trama e faz com que ela tenha um clima, de certa forma, mais amigável, deve-se aos roteiristas Rhet Reese e Paul Wernick, responsáveis pelo roteiro do magnífico Zumbilândia. Os diálogos são repletos de piadas (algumas metalinguísticas) e referências à cultura pop (nem o Lanterna Verde de 2011 escapa), algo que a dupla de escritores sabe fazer muito bem.

Contudo, a comicidade exacerbada pode se tornar um defeito quando o resto do quadro geral é ignorado. O enredo funciona bem no quesito história de origem, embora o fio condutor seja raso e previsível, e o clímax seja composto por clichês. Fora isso, a presença de dois personagens dos X-Men revela um artifício desesperador da Fox em incluir o Mercenário Tagarela em algum filme futuro dos mutantes.


Deadpool, certamente, foi uma aposta arriscada. Dirigido por Tim Miller, diretor estreante, e com um orçamento abaixo da média, o resultado da obra é uma bela surpresa e talvez seja o melhor trabalho da carreira de Ryan Reynolds. O segundo filme já foi confirmado e a Fox conseguiu o que queria: estabelecer uma nova franquia de sucesso e encher os seus cofres de dinheiro. Parece que as manchas no histórico não serão mais problema. É tempo de uma nova era.        

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