sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Trash - A Esperança Vem do Lixo


Onde há corrupção e justiça, há dinheiro”.

A palavra justiça, somada à honestidade, é quase sempre motivo de zombaria em um país repleto de desigualdade social e que sofre há décadas com corrupção no meio político. E quem acabou de ler isso deve ter percebido que essa é uma das descrições mais populares que podem ser atribuídas ao Brasil e que, por conseguinte, cai como uma luva na temática proposta em Trash – A Esperança Vem do Lixo

Sob o comando do diretor americano Stephen Daldry (de Billy Elliot), um suspense tipicamente encontrado em filmes norte-americanos é perceptível nos minutos iniciais, os quais nos levam a acompanhar José Ângelo (Wagner Moura) em uma fuga para proteger sua carteira. O objeto é jogado dentro de um caminhão de lixo e seu destino não poderia ser outro: o lixão. 

O mistério cresce em torno da carteira ao passo em que ela é encontrada por Raphael (Rickson Tevez), um catador de lixo. Ao lado do amigo Gardo (Eduardo Luís), ambos julgam ter encontrado um pote de ouro, já que além de conteúdos indecifráveis, ali contém muito dinheiro. Porém, a polícia logo chega para vasculhar o lixão em busca da carteira, e o tenente Frederico (Selton Mello) tem ordens para matar qualquer um que se interpor entre ele e o cobiçado objeto.


Como todo menino curioso, os dois amigos pedem a ajuda de Rato (Gabriel Weinstein) no intuito de que as informações deixadas na carteira pelo antigo dono passem a ser desvendadas. Contudo, à medida que as descobertas são feitas, o trio começa a entender a importância do objeto e o quão arriscado é levar essa empreitada adiante, pois a vida de todos os envolvidos está em risco. 

Baseado no livro de Andy Mulligan, o filme retrata a dicotomia que pode ser observada em um país tropical, turístico, e aparentemente organizado como o Brasil. Na lente de Daldry, a feiura e a beleza do ambiente e das situações são reveladas tanto pela perspectiva dos personagens americanos Olivia (Rooney Mara) e o padre (Martin Sheen) quanto pelo olhar de uma criança e também daqueles tupiniquins que lutam pela justiça. A cena em que um dos garotos é torturado exemplifica isso; tecnicamente, muito bem feita, e a trilha sonora clássica a deixa ainda mais impecável. Mas a sordidez e a brutalidade cínica da corrupção e dos opressores estão contidas ali, incomodando igual a uma farpa no dedo.


As impressões que o filme pretende deixar são fortalecidas pelas atuações. Embora não apareça tanto, Wagner Moura encarna singelamente um personagem de extrema importância na trama e que, de modo indireto, é o guia na jornada dos meninos. Selton Mello também está formidável, com uma vilania contida capaz de criar uma tensão impactante. E mesmo que o trio mirim seja inexperiente, cada qual conseguiu transmitir uma emoção cativante. 

O discurso político de Trash – A Esperança Vem do Lixo, afinal, é similar ao de outras produções tupiniquins, como Tropa de Elite. Se há uma oportunidade de lutar por aquilo que é certo, então faça barulho, grite, seja ouvido. Essa ideologia manifesta o fato irônico e contrastante de que coisas consideradas sujas podem gerar consequências bonitas; um ato de corrupção pode acarretar em liberdade e justiça social; um menino pobre pode querer melhorar o país; uma carteira encontrada no lixo pode levar bandidos à cadeia. A esperança vem da honestidade.

Trailer:

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Interestelar



Nós não estamos destinados a salvar o mundo. Estamos destinados a deixá-lo”.

Existem fatos que a indústria do cinema não pode negar. Inúmeras são as referências de filmes marcantes que trouxeram contribuições tanto de enredo e teorias, quanto de efeitos técnicos. E se o cinéfilo devoto fizer uma retrospectiva dos filmes que mais se destacaram nos últimos dez anos, provavelmente pelo menos uma obra do diretor Christopher Nolan estará na lista. 

É indiscutível o trabalho revolucionário que Nolan fez com a trilogia Batman – O Cavaleiro das Trevas. Há poucos exemplos de longas que trouxeram um herói para tão perto da realidade. E durante os intervalos dos filmes do Homem-Morcego, o diretor ainda teve tempo de entregar ao público produções mirabolantes e inquietantes, como O Grande Truque e A Origem.


A Warner Bros. tem muito a agradecer pelos rios de dinheiro que as obras de Nolan garantiram à empresa. E com a confiança estabelecida, ele tem autonomia suficiente para propor qualquer projeto, seja de natureza complexa ou absurdamente inconcebível. E assim chega sua recente produção, Interestelar, que, assim como foi feito em seus outros filmes, promete levar muitos questionamentos à imaginação do espectador. 

A estreia de Nolan na ficção científica tem uma premissa interessante. Em um futuro não determinado, os recursos naturais da Terra estão praticamente exauridos. Uma praga se alastrou e, pouco a pouco, dizima milhares de plantações. O fazendeiro e engenheiro Copper (Mattew McConaughey) é convocado pela NASA para pilotar uma nave que pode ser a última esperança do planeta.


A tripulação desta nave é composta por cientistas, entre eles a doutora Brand (Anne Hathaway), e o objetivo da missão é viajar até a órbita de Saturno, na qual se encontra um buraco negro. Atravessando o “buraco de minhoca” e, portanto, entrando em outra galáxia, a equipe terá de encontrar um planeta que seja o mais parecido possível com a Terra, antes que toda a raça humana seja extinta. 

É perceptível algumas marcas registradas que não podem faltar na cinematografia de Nolan; a parceria com o compositor Hans Zimmer, por exemplo, que aqui mais uma vez revela que sua criatividade continua se expandindo. Sua trilha sonora funciona muito bem em momentos de tensão e expectativa, enaltecendo a importância de determinadas cenas. A técnica da direção de arte também se destaca, sobretudo no espaço; Saturno mal parece que foi gerada por computação gráfica; o planeta da água e do gelo são visualmente fabulosos; a cena em que a nave se aproxima da gargântua é simplesmente belíssima.


A atuação de McConaughey, cujo mote de querer voltar para os seus filhos lembra um pouco o personagem de Leonardo DiCaprio em A Origem, sustenta quase toda a parte emotiva e o restante do elenco é responsável por carregar o teor científico que o filme expõe. Era preciso que fosse no mínimo convincente, pois até mesmo as teorias esmiuçadas têm princípios verídicos estabelecidos pela física quântica. 

Interestelar também potencializa alguns temas que antes foram abordados superficialmente nos longas de Nolan. O amor talvez seja o fio condutor de toda a trama e, como um dos personagens desabafa, é capaz de quebrar a barreira do tempo e espaço, gerar fé e a autoconfiança de que o Homem pode realizar grandes coisas quando se devota ao bem.


Infelizmente, existem deslizes que poderiam ter sido facilmente evitados. Como se a situação dos personagens já não fosse crítica e alarmante o bastante, surge um “vilão” dotado com discursos desnecessários e crises de consciência. E tem mais: há um trecho do roteiro que poderia ser alterado ou reescrito com uma solução mais coerente, e isso acaba por comprometer parte do final. No entanto, é possível que seja apenas mais uma artimanha do diretor para semear indagações conflitantes na mente do espectador. 

Com duração de quase três horas, Interestelar tentou homenagear outra grande obra do gênero: 2001 – Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. Entretanto, é sensato não comparar ambos, uma vez que é evidente que cada qual tem suas respectivas características e legados distintos. Sem dúvida, é mais um filme marcante para o histórico de Christopher Nolan e para todo cinéfilo que sente prazer pelo desconhecido e que consegue ver as respostas nas entrelinhas. Ou, metaforicamente falando, prefere procurá-las na vastidão do espaço.

Trailer: