É de fato incrível o que alguns versos são capazes de fazer. Mais inacreditável ainda é observar que muitas pessoas ignoram a influência que a linguagem poética exerce sobre a sociedade. Certo, hoje existem muito menos amantes da poesia do que antes, mas alguns dos legados que os poetas e simpatizantes de outrora deixaram ecoam até os dias atuais. Afinal, foi graças ao samba escrito por Mário Lago em parceria com Ataulfo Alves, na década de 40, que o nome "Amélia" tornou-se referência do que geralmente chamam de "mulher de verdade".
É importante esclarecer, porém, que tal termo não serve para enaltecer a imagem feminina. Na verdade, ao procurar o sentido que o nome Amélia representa no meio social, inclusive no dicionário, é possível concluir que o nível de machismo era extremamente exacerbado, pois o significado de 'mulher de verdade' refere-se à uma companheira ideal, ou seja, uma doméstica, serviçal, obediente, resignada, passiva.
O problema é que o poder do nome Amélia, embora muitos homens ainda acreditem no antigo conceito desta palavra, está ficando cada vez mais ineficaz à medida que as mulheres ganham maior independência econômica e social. Por isso, era mais do que obrigatório que um dia essa imagem fosse desconstruída. E, convenhamos, desconstruir é uma das tarefas preferidas do rock.
O videoclipe de hoje é dedicado à música Desconstruindo Amélia, da cantora Pitty, cuja letra retrata uma jovem Amélia, educada para cuidar e servir, no momento em que decide se livrar das correntes que a aprisionam. Uma canção que não tem a intenção de explorar o lado "devassa", e sim a faceta lutadora e independente da mulher.
Dessa maneira, se os versos de Mário Lago inspiraram diversos marmanjos a idealizar uma mulher totalmente submissa, os versos subversivos de Pitty hão de influenciar milhares de mulheres a lutar por igualdade e justiça. Pode não ser serva e nem objeto, tampouco mulher de verdade, mas com certeza é um exemplo do poder que alguns versos são capazes de proporcionar.
Letra:
Cada coisa posta em seu lugar
Filho dorme, ela arruma o uniforme
Tudo pronto pra quando despertar
O ensejo a fez tão prendada
Ela foi educada pra cuidar e servir
De costume esquecia-se dela
Sempre a última a sair...
Disfarça e segue em frente
Todo dia até cansar
Uooh!
E eis que de repente ela resolve então mudar
Vira a mesa
Assume o jogo
Faz questão de se cuidar
Uooh!
Nem serva, nem objeto
Já não quer ser o outro
Hoje ela é um também
A despeito de tanto mestrado
Ganha menos que o namorado
E não entende o porquê
Tem talento de equilibrista
Ela é muita, se você quer saber
Hoje aos 30 é melhor que aos 18
Nem Balzac poderia prever
Depois do lar, do trabalho e dos filhos
Ainda vai pra nigth ferver
Disfarça e segue em frente
Todo dia até cansar
Uooh!
E eis que de repente ela resolve então mudar
Vira a mesa
Assume o jogo
Faz questão de se cuidar
Uooh!
Nem serva, nem objeto
Já não quer ser o outro
Hoje ela é um também
Uuh
Disfarça e segue em frente
Todo dia até cansar
Uooh!
E eis que de repente ela resolve então mudar
Vira a mesa
Assume o jogo
Faz questão de se cuidar
Uooh!
Nem serva, nem objeto
Já não quer ser o outro
Hoje ela é um também
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