segunda-feira, 4 de abril de 2011

Mais Estranho Que A Ficção




"Esse é um livro de um homem que não sabe que está prestes a morrer, e morre. Mas se o homem sabe que vai morrer e morre assim mesmo, morre voluntariamente, sabendo que poderia impedir... Não é o tipo de homem que quer manter vivo?".


Todo escritor é conduzido por dois elementos cruciais que permitem que o exercício da escrita funcione com naturalidade e eficácia: a inspiração e a criatividade. A primeira vem inesperadamente, de maneira espontânea, e pode acontecer nos momentos mais imprevisíveis e corriqueiros. A função da segunda é organizar e dar vida a tal ideia inspiradora, de modo habilidoso e coerente. São as duas peças mais importantes do quebra-cabeça, e perdem totalmente o valor quando separadas.

Afinal, os leitores são muito espertos. Conseguem discernir facilmente qual livro é bom e qual não é, e como consequência são capazes de medir a habilidade do autor no quesito coerência e coesão. Cabe ao escritor suportar o peso das críticas, pois elas são resultado do pensamento criativo que gerou sua obra. E se o fio da criação não for bom o suficiente, a coisa fica feia; a crise de todo escritor é a falta de criatividade para contar sua história.

Mais Estranho Que a Ficção revela o quão desesperado um escritor pode ficar com a ausência de criatividade, e como isso inexplicavelmente afetará a vida de um homem. O filme foi dirigido por Marc Forster (mesmo diretor de Em Busca da Terra do Nunca) e foi escrito divinamente por Zach Helm. Muito embora esses dois fatores contribuam - e bastante - para que o filme fique impecável, eu estaria blasfemando ao ignorar outros detalhes que também fazem dele uma obra prima.

O filme começa dando uma breve introdução da vida de Harold Crick por meio da voz de uma narradora. Ela nos apresenta Harold como um auditor da Receita Federal, um homem com hábitos inusitados (como contar escovadas e os passos que ele dá até o ponto de ônibus) e ações inteiramente cronometradas. Pano de fundo: a solidão que o acompanha e uma vida aparentemente sem ambições. Acontece que tudo isso vira de cabeça para baixo quando ele passa a escutar a voz da narradora e descobre que a mesma pretende matá-lo. Assim, Harold Crick é lançado contra o próprio destino, em busca de alguém que mostre o caminho da salvação antes que a implacável morte o arrebata.

O que Harold jamais poderia suspeitar, no entanto, é que a tal voz feminina que ele ouve pertence a Karen Eiffel (brilhante atuação de Emma Thompson), uma renomada escritora especialista em escrever tragédias. Em todos os seus livros os personagens principais morrem no final, e com Harold não será diferente. O problema é que Karen sofre com a falta de criatividade; enquanto ela não descobrir um modo de matar Harold Crick, a história não terá ponto final.

De certa forma, o filme tenta mostrar que damos o devido valor às coisas nos momentos de maior desespero. O fato de saber que vai morrer a qualquer instante faz com que Harold enxergue a vida sobre outra perspectiva; o homem que antes era solitário e sem ambições passa a almejar propósitos, passa a adquirir novos hábitos e experiências, e ainda consegue a coragem de falar com a mulher que não vai com sua cara. Harold luta pela sua sobrevivência, e para tentar impedir a fatalidade que o aguarda ele pede a ajuda do professor de Literatura Jules Hilbert. Sem que ambos percebam, o encontro entre criador e criatura fica cada vez mais próximo.

As atuações, a direção, o roteiro, e a trilha sonora encaixam-se perfeitamente, com harmonia e classe, fazendo de Mais Estranho Que a Ficção um filme obrigatório para aqueles que gostam de ler e amam escrever, especialmente para as pessoas que fazem Letras. Ainda que o desfecho alegre alguns e decepcione outros, a ansiedade é semelhante à leitura de uma obra porque o espectador torce pela vitória de Harold. Por mais que a falta de criatividade atrapalhe a construção de um livro, impossibilitando que a sua trama chegue a um final ideal, às vezes o próprio final encontra o caminho certo para encerrar a sua trama. E os leitores, agradecidos, reconhecem isso muito bem.


"Essa é a essência de todas as tragédias. O herói morre... mas a história vive para sempre".


Trailer:

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