Esta semana participei de uma Oficina de Crônicas ministrada pela cronista mineira Ana Elisa Ribeiro. A crônica abaixo, "A Pergunta Inescrupulosa", é um dos resultados alcançados por mim na citada oficina.
Certa vez, meu sobrinho veio até mim e perguntou:
- Tio, o que é uma crônica?
Fui pego de surpresa com aquela indagação, pois o pirralho nunca antes demonstrara interesse em algo tão erudito para sua mente perturbada.
Curioso, fiz questão de retrucar:
- Por que quer saber disso, menino?
Insistente, o garoto devolveu:
- O senhor é formado em Letras. Tem a obrigação de me explicar.
Novamente fui pego desprevenido. Não pela pergunta, mas pelo fato de não saber respondê-la. Inicialmente, tive raiva. Afinal, não é nada divertido cair na ironia da maldição dos letrados. Quatro anos de graduação, estudando até ficar descabelado, passando noites sem dormir, e agora teria que me preocupar com uma questão elaborada pela imaginação maligna de um pivete.
Maldita hora que cursei Letras. Português nunca foi minha praia. Passei anos acreditando que a palavra “mesa” era um verbo. Fiquei abismado quando descobri a existência de orações subordinadas. E meu sobrinho, do nada, me vem com um questionamento desses. O que deu nessa criatura para me desafiar de tal maneira? Provavelmente estaria sofrendo do mesmo mal que aflige milhões de cidadãos: acreditar que todo letrado é um dicionário ambulante.
Mas o problema em questão não era esse. Eu tinha que criar uma resposta convincente o suficiente para conseguir ludibriar o intelecto vil daquele aprendiz de marginal. Minha honra e reputação dependiam disso. Se eu não pudesse responder uma pergunta tão ínfima, seria a prova concreta de que eu havia escolhido o curso apenas por ser o mais barato de uma universidade particular.
Comecei a suar frio, mas tentei não manifestar desespero. Não descartei a hipótese de fugir, talvez me esconder nas montanhas, viver exilado da sociedade, tentar me encontrar na imensidão do meu universo reservado. Tudo era válido, menos responder aquela pergunta. Se eu queimasse meu diploma, ou dissesse que sou graduado em Agronomia, será que parariam de me fazer tantas indagações complexas?
Aliás, qual o sentido de saber o que é uma crônica? Por acaso eu preciso saber por que a galinha bota ovo no lugar de omelete? Preciso saber por que a Terra é redonda? Tenho que saber por que as árvores são pregadas no chão? Por acaso Cabral, antes de descobrir o Brasil, precisou saber o que é uma crônica? Lógico que não! E veja só o papel que ele assumiu na História! Tentar decifrar os mistérios das coisas é o mesmo que desequilibrar a ordem natural da vida. É praticamente um apocalipse!
Então, em nome de tudo que é mais sagrado, de onde esse pirralho tirou a ideia de perguntar o que é uma crônica? Ele vai morrer se não souber? Essa informação é fundamental para fazer dele um ser humano melhor? Duvido muito. Eu, pelo menos, nunca necessitei disso. Maldito seja o criador da crônica!
De repente tive meu momento de revelação. Descobri um jeito de respondê-lo! E, modéstia parte, ouso dizer que possivelmente foi a frase mais inteligente de minha vida. Alcancei a glória máxima de todo meu ser. Inclusive, acho que mereço o Prêmio Nobel da Educação.
Olhei para meu sobrinho, que ainda esperava a resposta, e falei:
- Escuta aqui, seu moleque. Vê se para de me aporrinhar e vai ler uma gramática!
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