Tudo começou com uma corriqueira leitura. Depois, como se meus pés tivessem adquirido o dom da levitação, me vi mergulhado naquele mar de letras, buscando compreender a estrutura dos vocábulos e o sentido das palavras. Muitos já vieram me perguntar qual é a sensação de se fazer parte do Admirável Mundo das Letras. E mesmo que eu tenha um vasto leque de adjetivos para utilizar, o único que me vem à mente para elaborar uma resposta satisfatória é: surreal.
Viver no Mundo das Letras não é muito difícil, considerando que o requisito básico é gostar de ler. Tentar defini-lo é a parte complexa. Isso é o de menos, uma vez que o prazer reside em desbravar o desconhecido; jogar-se na imensidão das frases, submergir nas profundezas dos enunciados e, no final da tarde, sentir a brisa dos versos líricos.
Esse fantástico mundo possui dois continentes: o da Literatura e o da Linguística. Os terrenos literários são administrados por um poder tripartido, o qual sempre preza pelo bem do leitor. As Duquesas Ana, Conceição e Elisete trabalham de forma honesta e, por isso, com elas os fracos não têm vez. Nestas terras eu vivenciei experiências inesquecíveis e vaguei por locais inacreditáveis; vi sertões tão extensos e bonitos que nem Graciliano Ramos, Euclides da Cunha e Guimarães Rosa teriam a audácia de descrever; presenciei batalhas épicas que nem Ulisses teria a coragem de travar. Também conversei com um defunto-narrador que me contou a história da sua vida, enquanto observava, ao longe, vários heterônimos encontrarem-se com seu criador.
Viajei ao lado de um caboclo valente o suficiente para desafiar o diabo. Alimentei uma cachorrinha com pensamentos tão racionais quanto os meus. Brinquei com objetos culturais, cumprimentei o Senhor do Folclore e ainda tive a honra de conhecer uma nordestina encantadora - e incrivelmente ingênua - e vê-la transformar-se em uma estrela de mil pontas. Passei pelo Inferno, Purgatório e Céu, acompanhando um homem em busca de sua amada e, por fim, visualizei livros voarem e deixarem rastros de folhas caídas pelo caminho, para que aqueles que ali passassem não ignorassem o que precisava ser lido.
É também fundamental transitar pelo continente linguístico, e para que tal meta seja alcançada precisa-se conhecer a barqueira Klébia, mulher de voz encantadora que facilita a travessia dos letrados de uma área à outra e está eternamente disposta a direcionar os indecisos. Linguística é um terreno dominado pelo Lorde Silvio e a Baronesa Carmen, cada qual mais exigente que o outro quando o assunto é discurso. Nesta terra, assisti palestras de Ducrot, tomei leite achocolatado com Fairclough, joguei ping-pong com Foucault e aprendi macetes de baralho com Van Dijk. Ainda tive o prazer de vislumbrar as metamorfoses da Semântica e plantar uma semente de agradecimento nos campos bakhtinianos.
Neste ambiente fabuloso também há lendas urbanas. A mais famosa de todas é a do Profeta Romerito; um andarilho que veio da Terra de Saussure, e que - ouvi dizer - faz brotar bibliotecas do chão onde pisa; o Pirata Marzinho, com seu navio gigante e sua procura eterna pelo baú de sintagmas; e o Vigilante Bruno, em seu Balão Mágico, na luta constante para apaziguar os céus. É bastante sensato evitar os caminhos da preguiça: o furacão Nevinha pode estar à espreita. E caso se queira conselhos de Psicologia, Ética e Produção de Texto, basta procurar os Anciões Laurence, Juliana e Zélia; eles sempre sabem o que dizer.
Infelizmente, existe um prazo de validade para permanecer no Admirável Mundo das Letras. A dor da partida é profunda, semelhante ao sentimento de ir embora de um parque de diversões sem ter experimentado todos os brinquedos. Agora que fiz as malas e estou diante da porta de saída, contemplo a inabalável grandeza desse maravilhoso lugar e desejo aos futuros ingressantes que aproveitem tudo aquilo que não pude, pois, se me perguntarem qual é a sensação de deixar o Admirável Mundo das Letras, eu direi: ter a saudade cravada no peito, e a sincera esperança de um dia voltar lá.
Cara, maravilha de texto! Você expressou muito bem a nossa odisséia pelo, permita descrever do meio modo, Encantado Mundo das Letras. Coaduno com o mesmo sentimento de saudade que você está vivendo, com certeza a saudade permanecerá para sempre.
ResponderExcluirParabéns pelo pelo texto!
Jerônimo.
Fantástico esse texto, lendo pude fazer uma retrospectiva de cada semestre. Realmente depois que terminamos, nos sentimos como alguém que comeu o chocolate com muita pressa e não pode aproveitar tanto quanto queria.
ResponderExcluirParabéns cara. Esse texto parece um escultura que você trabalhou e lhe deu uma forma belíssima.
ResponderExcluirLuiz LF Neto.
sensacional! (por Jaeder Wiler)
ResponderExcluirParabéns ( jaederw@ibest.com.br)
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