"Ninguém pode fugir da sua própria história".
O disfarce é uma ferramenta primordial e obrigatória para aqueles que gostam de atuar ou contar mentiras. Embora a atuação seja um recorte representativo de uma verdade, não deve ser confundida com a mentira; esta distorce a realidade, disfarçando o real intencionalmente com a teia ardilosa da ilusão. Porém, quando as duas se misturam, provocam uma reação química de tamanha calamidade que fica difícil de mensurar o resultado do estrago. E, pode ter certeza, o estrago quase sempre é em grande escala.
Rango é um filme que trabalha o disfarce de forma teatral e psicológica. A animação foi dirigida por Gore Verbinski, diretor dos três primeiros filmes de Piratas do Caribe (O quarto filme, que estreia em maio, não foi feito sob sua direção). Aqui ele retoma sua parceria com o ator Johnny Depp, que na versão americana empresta sua voz para dar vida a um lagarto em busca de sua verdadeira identidade.
Explicando em poucas palavras, o camaleão é um réptil que troca de pele e muda de cor. A ideia da camuflagem e mudança de pele fortalecem a imagem do disfarce, que no filme funciona como uma metáfora. Para que esta tese permanecesse fundamentada, nada mais justo que o protagonista fosse ninguém menos que o próprio camaleão.
A busca por uma personalidade já fica evidente na cena inicial, em que Rango elabora várias situações dentro do seu aquário, seu pequeno mundo com objetos inanimados, onde ele sempre é o herói que consegue salvar a donzela em perigo. Quando o inesperado acontece e o cubículo que representa sua inócua existência literalmente se quebra, Rango vê-se diante da vida real: um deserto imenso, onde ele é apenas mais um entre tantos outros bichos selvagens.
Mesmo que Rango só tivesse contato com objetos imóveis que não lhe transmitiam reação alguma, ele os considerava como seus amigos. No deserto, à mercê do calor e da mira de qualquer predador, ele descobre o significado da solidão, e todo o vazio que preenche o seu ser fica totalmente exposto. Entretanto, ao conhecer Feijão, uma garota (quer dizer, animal) que vagava pelo deserto, ele logo passa a enxergar um destino diferente, uma chance de se adaptar, quando fica diante da cidade de Poeira. Graças às vicissitudes do destino, Rango logo ganha destaque e o que antes era apenas imaginário, torna-se realidade. Além de assumir o papel de xerife de Poeira e de espalhar histórias mirabolantes de seus grandes feitos pelo mundo afora, ele depara-se com a oportunidade que sempre sonhara ter: a de ser um herói.
Como o próprio Rango diz, o que completa o herói é um conflito, e não é à toa que Poeira fica no meio do deserto. Além de valentões metidos a pistoleiros, a cidade sofre com a escassez de água. Cabe ao xerife Rango e seus amigos descobrirem quem é o responsável pelo desaparecimento do depósito aquático da cidade, e assim trazer de volta a fé e a esperança para dias melhores.
Gore Verbinski fez um excelente trabalho na sua primeira animação, trazendo emoção com a trilha sonora e adrenalina com a ação (Destaque para a cena dos morcegos no deserto). Ainda que seja voltado para o público infantil e o seu personagem seja extremamente atrapalhado, Rango é um filme que explora indiretamente aspectos sócio-políticos ao mostrar os privilégios do poder, questões psicológicas por trás da solidão, e até filosóficas na tentativa de entender o motivo de existir. Um lagarto à procura de sua identidade não deve ser uma coisa lida de maneira superficial. Ali está implícito o processo inevitável que todos nós passamos ou iremos passar: o de transformação. De nos trancarmos em um casulo, nos metamorfosearmos em uma borboleta, e finalmente abrir as asas para voar.
"Se você quer acreditar em alguma coisa, então eu te peço: acredite em mim".
Trailer (DUBLADO):
Esse filme realmente é maravilhoso. Parabéns pela descrição, ficou perfeita.
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