segunda-feira, 14 de março de 2011

Não é tristeza e nem alegria: é poesia!



Certas pessoas ainda insistem em dizer que não conseguem compreender o sentido da arte. Afirmam que ela é informe e que na maioria das vezes não possui lógica. Sim, é verdade. Arte não tem uma forma definida e não vem com manual de instrução, e por isso que é tão mágica. É do mistério que reside sua maior grandeza; não há necessidade de tentar traçar uma rota para entendê-la ou esperar o momento mais adequado para usufruí-la: a arte apenas é, e vem na hora que quer.

Que fique claro, caso você seja este tipo de pessoa: quando digo arte, refiro-me a qualquer tipo de manifestação artística. E por mais que você tenha um certo preconceito e alimente uma ojeriza injustificável por ela, aí vai o alerta: você consome arte, ainda que não perceba. E o que é pior (e sei que ao dizer isso posso causar em você uma ânsia de vômito ou até mesmo um iminente ataque epiléptico): você convive ao lado de pessoas que idolatram a arte. E é possível que uma parcela delas ganhe a vida através da arte. Ainda está aí? Calma, respire... Sei que para você esse é um momento de grande revelação. Isso... Relaxe, porque agora vem a parte pior.

Além do fato de você conhecer diversos seres lunáticos que veneram esse tipo de hábito extraterrestre, eles ainda fazem questão de comemorar determinadas datas, para lembrar a pessoas como você que o tal "movimento artístico" está se expandindo, e que você querendo ou não terá de aceitar a ideia de que esta turma desmiolada está ganhando cada vez mais espaço na sociedade. O nosso plano é justamente esse. Assumir o poder nas diversas classes sociais e infectar a cabeça dos jovens com cultura e arte... Ops! Acabei de te contar o maior plano da grande conspiração... Mas não se assuste e nem tente fazer as malas, pois já é tarde demais. Hoje é dia 14 de março, Dia Nacional da Poesia, e as ruas estarão repletas de malucos declamando frases poéticas.

Recomendo que se tranque em casa e tape os ouvidos. Melhor, faça o seguinte: tome um calmante, um bem forte. Daqueles para deixar você dopado(a) até o final do dia. Ah, e se você veio até aqui pensando encontrar um refúgio, sinto muito te decepcionar. Hoje estou aqui justamente para despejar alguns versos artísticos sobre você. Estou aqui para te tirar do estado entorpecente ao qual você sempre esteve preso(a), e dissipar da sua cabeça a ideia deturpada que se instalou em sua mente. Assustou-se com minha ameaça? Bom, você ainda não viu nada.


BAGUNÇA

Revisitei arquivos empoeirados.

Necessitava fazer nova estripulia.

Algo que não fosse meu, mas

que me lembrasse do início

ao fim do traçado.

Pus tudo no chão, espalhei

como folhas ao vento.

Dedos corriam sobre o

emaranhado de coisas...

Coisa – pequena palavra que

confunde mais do que explica;

que designifica o que não

se quer dizer;

é uma gota, um botão,

uma bala, uma pedra,

um dado, uma foto,

uma lágrima, um limão...

A desordem era tamanha!

Era somente eu e meu verso,

meu mundo e meu olhar,

meu corpo e minha impressão.

Debrucei-me a escrever

e ideias vinham sem medo

de bater à porta.

Era um festim com confete,

serpentina e fumaça.

Carnaval fora de época para

desfazer a monotonia na praça.

Dia de riso-aplauso-magia-explosão.

Reparei no calendário –

repetidor de datas fiel

e presente em cada ruga

da face minha.

Não havia melhor data para

fazer bagunça com as letras,

recortar palavras,

desfazer estrofes,

ignorar a métrica,

envergonhar a rima,

perder a compostura silábica!

Era somente um pobre homem

em seu devaneio literário

brincando de ser poeta

num dia inspirador...

Essa poesia é do meu nobre amigo Pablo Roberto, poeta, ator, pintor e agora cantor de coral. Sim, eu tenho diversos amigos da área artística. E se a esta altura do campeonato você ainda não desmaiou ou entrou em estado de coma, sugiro que chame logo uma ambulância. A tendência é que as coisas fiquem piores para o seu lado.

Atenção, aí vem a bomba: eu já passei horas estudando e lendo poesias. Já escrevi e apresentei trabalhos sobre os renomados poetas, aqueles que você faz questão de excluir da história do nosso país. E sabe o que descobri? Que o dia 14 de março foi intitulado dia da poesia em homenagem ao poeta Castro Alves, que aniversariava nesta mesma data.

Eu sei que você não se interessa em saber disso, mas mesmo assim eu vou dizer: Castro Alves foi conhecido como o poeta dos escravos, pois suas poesias eram dotadas de um teor abolicionista. Um de seus maiores poemas chama-se "Navio Negreiro", e logo abaixo segue-se um trecho:

Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!..


Bom, acho que já contei tudo o que tinha para te dizer. No mais, espero que passe bem... Oi? Ei, pode se levantar, eu já terminei... Alô?... É, acabei de matar mais uma pessoa anti-cultural. Que entre o próximo, por favor.

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
- Cecília Meireles.

3 comentários:

  1. Adorei este post. Parabéns Pablo, linda poesia, adorei! Adoro também "Navio Negreiro" e fica lindo na melodia de Caetano Veloso, eu adorooo. Parabéns Da Vinci pelo blog! E Viva a poesia!!!! bjus

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  2. Valeu pela oportunidade de postar algo em seu blog, fiquei super contente! O post ficou massa, covardia foi colocar meu poema ao lado dos de Castro Alves e Cecília Meireles, esse último que gosto tanto! Viva a poesia!!! Abraço

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