sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Elysium


 

Você pode salvar todos”.

Nos minutos iniciais de Elysium já é possível identificar qual a temática do filme, quando um cenário de seca e devastação entra em contraste com extensos gramados verdejantes e edificações reluzentes. A segregação fica cada vez mais gritante à medida que o espectador conhece a realidade de cada ambiente e o inexorável conflito entre ambos vai se tornando claro. 

O interessante em adotar a desigualdade social como o cerne de sua narrativa é que o diretor e também roteirista Neil Blomkamp (de Distrito 9) permitiu que boa parte do elenco fosse composto por atores latinos. As variadas etnias e os sotaques diferenciados dão mais consistência à trama, fortalecendo a ideia de que diante de um colapso global seria racional que as nações se unissem. 
 

Sendo fã dos dois Tropa de Elite, o diretor sul-africano escalou como um dos antagonistas o talentoso Wagner Moura, que não faz feio em sua estreia hollywoodiana e ainda ganhou espaço para bradar palavrões brasileiros. O enredo se passa no ano de 2159 em um planeta Terra avassalado pela miséria, doenças e desordem. Em contrapartida, tem-se Elysium, uma gigantesca plataforma espacial que guarnece os humanos economicamente favorecidos. Lá todos são isentos de qualquer tipo de enfermidade, possuem uma medicina deveras avançada e usufruem do bom e do melhor. 

Max (Matt Damon) é um operário que ganha a vida montando androides. Com um histórico recheado por delitos, ele acaba sendo vítima da própria desgraça. Agora o seu prazo de validade é curto, portanto ele busca a ajuda de Spider (Wagner) para entrar clandestinamente em Elysium e conseguir se salvar. De maneira inesperada, ele penetra em uma mirabolante empreitada e seu objetivo acaba ficando bem mais abrangente.


O roteiro também explora questões políticas, sem a qual talvez a história perdesse o sentido. Jodie Foster, em um desempenho frio, interpreta uma das principais secretárias de Elysium e fará o possível para que esse paraíso artificial permaneça elitista e conservador. E se o brasileiro Moura merece elogios, o mesmo vale para Alice Braga, a qual representa não apenas uma figura icônica no passado de Max, mas também traz à película uma emoção maternal. 

A ação do clímax não é tão empolgante, embora consiga transmitir certa tensão. Um pouco mais de suspense fez-se necessário, mesmo com um final imprevisível e com a bela mensagem. Em seu novo filme, Neil Blomkamp aborda a desigualdade e a sede de sobrevivência como os propulsores de uma profunda reflexão, em uma provável tentativa de representar a situação do seu país de origem. Uma temática antiga, ainda que sempre bem-vinda, adornada por um renovado desejo de mudança.



Trailer:

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Todos Estão Mudos


A expressão "o gigante despertou" tornou-se comum nos últimos três meses. Subitamente, cidadãos brasileiros uniram suas ideologias e saíram às ruas protestando, bradando, erguendo argumentos contra a impunidade, corrupção e outros diversos tipos de desigualdades.

Estamos certos em lutar pelos nossos direitos. Não devemos nos tolher perante à opressão do Sistema. O Sistema é como um vírus que se modifica e se adequa conforme às suas necessidades. Mas ele pode ser falho, e é pelas brechas que devemos entrar. E já ficou claro que manifestações conseguem obter resultados importantes. 

A música de hoje é dedicada aos manifestantes que saem pelas ruas, arriscando perder a moral e, em alguns casos, que sofrem com a violência do abuso das supostas autoridades. Avante! Não se calem! Que esse brado retumbante continue reverberando e que o despertar seja de fato legítimo e verdadeiro.


Letra:

Todos Estão Mudos
Já não ouço mais clamores
Nem sinal das frases de outrora
Os gritos são suprimidos
O corvo diz: "nunca mais"

Não parece haver mais motivos
Ou coragem pra botar a cara pra bater
Um silêncio assim pesado
Nos esmaga cada vez mais

Não espere, levante
Sempre vale a pena bradar
É hora
Alguém tem que falar

Há quem diga que isso é velho
Tanta gente sem fé num novo lar
Mas existe o bom combate
É não desistir sem tentar

Não espere, levante
Sempre vale a pena bradar
É hora
Alguém tem que falar

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Cine Holliúdy


Enquanto existir vida, vai existir cinema”.

De uma forma ou de outra, os canais midiáticos exercem influência sobre a população. Tirando toda a parte maléfica presente nesta afirmação, houve um tempo em que os benefícios se resumiam à indescritível experiência de observar a arte imitando a vida. Por mais incrível que pareça, ainda existem resquícios desse legado em cidades no interior do Brasil, em que a praça central do município preserva uma pequena caixa reservada a guardar a televisão que em outrora serviu de passatempo em noites monótonas. 

Essa é uma das vertentes que o filme Cine Holliúdy tenta resgatar. Ambientada na década de 1970, a trama transporta o espectador ao sertão do Ceará, no qual muitas pessoas tiveram o seu apreço pelo cinema afetado com a chegada da televisão pública. Francisgleydisson (Edmilson Filho) é um homem que tem paixão pela sétima arte e acredita fervorosamente no poder do cinema. Por isso, decide mudar-se para outra cidade, levando a esposa Graciosa (Miriam Freeland) e seu filho, no intuito de expandir a magia cinematográfica e fazê-la acessível ao povo. 


Entretanto, logo encontra problemas financeiros e também políticos. Nesse sentido, o enredo ganha méritos por retratar paralelamente questões de êxodo rural, comunismo em plena Ditadura Militar e politicagem. Esses temas, com o auxílio do bom humor nordestino, além de representarem uma faceta triste da realidade que se perpetua até os dias de hoje, servem de caminho para que os antagonistas da história se destaquem, uma vez que eles sustentam boa parte da película. 

Tendo como base o curta-metragem O Artista contra o Caba do Mal, também dirigido por Halder Gomes, o filme começa muito bem, arrancando risadas graças ao linguajar que todo nordestino que se preze consegue identificar. E usufrui disso realizando um feito inédito, pois todas as falas são legendadas para caso alguém não entenda alguns vocábulos do dialeto. O infortúnio de usar a oralidade nordestina como muleta está nos momentos em que palavras pejorativas são utilizadas apenas para causar riso, sem acrescentar informação ou qualidade à trama. 


A fotografia, o figurino e o cenário podem se vangloriar por terem conseguido transmitir a sensação de outra época, mas a mesma congratulação não pode ser concedida ao roteiro. Se existem falas descartáveis, esse efeito é de igual proporção com relação a algumas cenas, como se estivessem ali somente para “tapar buraco”. E se o arco dramático atribuído ao protagonista fosse de tamanho similar ao do menino que sonha vislumbrar o espetáculo da arte, a intenção emotiva teria alcançado um resultado satisfatório. 

Apesar de perder o fôlego e se recuperar (não totalmente) no final, há de se relevar por ser uma produção de baixo orçamento. Embora apresente falhas no roteiro, o esforço que Cine Holliúdy faz para levar sua mensagem é digno de respeito. Tratando-se de um país multicultural como o Brasil, resta a esperança de que apareçam mais cineastas com a mesma paixão de Francisgleydisson, que lutem em prol do cinema como ferramenta de produzir sonhos e, por conseguinte, de tornar a vida um pouco mais bonita.



Trailer:

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Turma da Mônica - Laços


A idade de uma pessoa não é medida pela quantidade de anivelsálios que ela fez, mas pelo seu estado de espílito”. 

Todo visitante que já conheceu a Terra do Nunca deve saber que existe uma regra básica para sempre se lembrar desse ambiente mágico: nunca crescer. Ou, pelo menos, nunca deixar morrer o seu espírito de criança. No entanto, sinto-me incumbido para formular uma nova ordem, a qual vários adultos preservam e, muitas vezes, têm vergonha de admitir: valorizar as coisas que tornaram a infância memorável. 

Na década de 1990, o gênero textual com o qual eu tinha mais contato eram os gibis da Turma da Mônica. Colecionava as aventuras e devo dizer que a raiz do meu caráter leitor se formou ali. E, para um letrado, isso faz a diferença. Em 2013 a obra de Mauricio de Sousa completa 50 anos de existência e diversas homenagens foram realizadas, entre elas Turma da Mônica – Laços

A graphic novel, título dado ao estilo de romance gráfico, é a segunda do selo Graphic MSP que os Estúdios Mauricio de Sousa vêm desenvolvendo desde o ano passado (A primeira foi Astronauta – Magnetar). A história, criada pelos irmãos Vitor e Lu Cafaggi, é uma releitura dos clássicos personagens e transporta o leitor para uma trama emocionante, nostálgica e realmente formidável. 


Laços é extraordinário da primeira à última página. O enredo tem início com Cebolinha bebê, tendo o primeiro encontro com seu cachorro, Floquinho. Desde o começo, as cores e os traços do desenho merecem destaque, pois basta virar a página para se perceber o notável contraste de um flashback para o tempo real da narrativa. Após mais uma tentativa falha de roubar Sansão, o coelho de pelúcia da Mônica, Cebolinha e Cascão levam uma surra da dentuça e retornam à residência da família Cebola. 

Os meninos são pegos de surpresa com a notícia de que Floquinho desapareceu. A mensagem é clara: o companheirismo é o alicerce. No dia seguinte, o quarteto mais famoso do bairro do Limoeiro (e, talvez, do Brasil) une ideias para iniciar uma busca pelo cão perdido. Eles seguem as pistas e partem rumo à aventura, bem no estilo dos clássicos dos anos 80. 


Contudo, não são apenas o desenho e o roteiro que chamam a atenção na obra dos irmãos Cafaggi. Eles conseguiram respeitar os personagens do cânone, sempre colocando em evidência as características que os faz serem tão peculiares; Magali, com sua gula, está impagável. As cenas noturnas, inclusive o clímax, são as melhores (especialmente as do parque), criando uma atmosfera sombria ao enredo e atribuindo-lhe um tom de seriedade. 

Uma das coisas que mais comovem em Laços, todavia, é observar que a amizade é a engrenagem condutora da trama, a qual torna o conteúdo do quadrinho algo mais bonito e sublime. Com um desenho incrível, uma história bem estruturada e um humor inteligente, os Cafaggi conseguiram reavivar as lembranças da infância de uma maneira que faria Peter Pan ter inveja. E se para alçar voo até a Terra do Nunca seja necessário ter pensamentos felizes, o desafio fica bem mais prazeroso ao reencontrar essa saudosa e inseparável turminha.