sábado, 13 de agosto de 2011

A Menina que Não Sabia Ler


"É uma história curiosa a que tenho de contar, uma história de difícil absorção e entendimento, por isso é uma sorte que eu tenha as palavras para cumprir a tarefa. Se eu mesma digo isso, quando talvez não devesse, é que, para uma menina da minha idade, tenho um ótimo vocabulário. Extremamente bom, para falar com franqueza".


Os intelectuais - e aqueles que se intitulam como tais - hão de concordar: o domínio sobre o uso da palavra é uma grande ferramenta de poder, perspicácia e ainda é responsável pelo implante da semente imaginativa. Muitas pessoas se questionam, indagam se é possível chegar a um nível de letramento que surpreenda terceiros, se existe a probabilidade de ser dotado de uma fala que arranque suspiros de plateias. Elementar, nobre leitor(a), o único caminho para se obter tais méritos é adquirindo o prazer de ler.

A Menina que Não Sabia Ler é apenas mais um exemplo disso, uma vez que a narrativa é feita em 1ª pessoa pela personagem Florence, garota totalmente analfabeta que, a partir do marco zero, atinge a determinada apoteose que somente a literatura é capaz de proporcionar. Com isso, ela consegue esmiuçar o enredo por meio de uma linguagem culta e impressionante.

O ano é 1891 e o local é a Nova Inglaterra. Florence e seu irmão, Giles, residem na velha mansão de Blithe House, na qual vivem perambulando o tempo todo sem ter muito o que fazer, visto que os criados têm suas respectivas tarefas e o tio de ambos não vive ali. Por razões inexplicáveis, Giles é o único que tem a autorização de ser alfabetizado, de modo que Florence ganha muito mais tempo livre e em uma de suas andanças pela mansão, descobre a antiga biblioteca.

O livro é dividido em dois atos. No primeiro vemos Florence, 12 anos e impossibilitada de ser alfabetizada, completamente dominada pela voracidade de aprender a ler. Para saciar sua vontade, que apenas poderia ser realizada através de furtividades e um pouco de mentiras, a garota passa a visitar a biblioteca com frequência, inclusive na calada da noite. Tamanha era a sede de aprendizado que a primeira barreira da dificuldade foi quebrada e logo a menina estava lendo clássicos de Shakespeare e Edgar Allan Poe. A partir daqui, a serenidade é deixada de lado e o enredo ganha aspectos mais sombrios.

Na segunda parte do livro, somos apresentados à nova preceptora das crianças, a senhorita Taylor, designada a discipliná-los em decorrência da morte precoce da preceptora anterior. É com a chegada dessa nova personagem que o cotidiano de Florence muda para pior, pois além de perder o seu lugar de leitura secreto, a biblioteca, também percebe uma obsessão descomunal da mulher para com seu irmão mais novo. Seus temores são concretizados quando a menina presencia acontecimentos assustadores e até mesmo sobrenaturais, fazendo de Blithe um lugar perigoso não só para ela e seu irmão, mas para todos que ali residem, visitam e trabalham.

É com a ajuda de Theo Van Hoosier, o asmático, e do capitão Hadleigh que Florence espera acabar com os planos malignos da mulher e afastar o seu irmão Giles de todo mal que está por vir. Será que, talvez, tudo isso é o fruto de uma mente fantasiosa, alimentada pelas incansáveis horas de leitura? Teria a descoberta do mundo literário deturpado o discernimento da garota, ou fez com que ela possuísse um olhar mais crítico das coisas? Estas são apenas algumas das questões que podem ser levantadas no decorrer de tanta tensão e suspense.

O título A Menina que Não Sabia Ler é algo que perde todo o sentido ao término da leitura, pois quase todo o livro enfoca a relação de Florence com seu irmão. A prova disso está no título em inglês: Florence and Giles. Tem-se, então, mais uma vítima da publicidade e do marketing, em uma tentativa de elevar o produto ao status de "mais chamativo". Apesar da narrativa ir ganhando empolgação à medida que eventos estranhos acontecem, o autor da obra, John Harding, cria um clima de mistério que não é resolvido no final. No lugar de esclarecer tudo aquilo que o leitor anseia saber, ele nos entrega um fim arrepiante, inusitado e amedrontador. Para quem almeja uma ascensão linguística, sugiro que siga o exemplo de Florence; posso garantir que dessa forma, um dia, você se tornará amante da literatura. E o resultado é gratificante e merecedor para aqueles que sempre buscam o sabor de uma ótima leitura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário