sexta-feira, 27 de março de 2015

Batman: Ano Um


Gotham City. Talvez seja isso que eu mereça... Passar um tempo no inferno”.

Muitos devem concordar que, quando o assunto gira em torno de heróis, Batman é sempre um dos mais enaltecidos. Todo o arcabouço psicológico que permeia a mitologia de Bruce Wayne entra em contraste com a maioria dos outros heróis, pois aqui o vigilante de Gotham nasceu por ser um filho da violência.

A função do atual e promissor seriado Gotham é justamente esta: mostrar o alto nível de criminalidade e corrupção que ocupa todas as áreas da cidade, sendo os pais do menino Wayne vítimas da perversidade que emana até dos detalhes mais vis e imperceptíveis; revelar por que realmente uma sociedade precisa de um herói.


No entanto, por ser uma mitologia rica e detentora de um vasto leque de possibilidades, o programa de televisão Gotham não é o conteúdo pioneiro a destrinchar a história do Homem-Morcego antes de ele vestir o manto. Na década de 1980, o roteirista Frank Miller, pouco tempo depois de lançar o consagrado Batman – O Cavaleiro das Trevas, publicou a memorável HQ Batman: Ano Um.   


Feita em parceria com o artista David Mazzucchelli, Ano Um, como o próprio título já deixa pressuposto, narra o primeiro ano do tenente Jim Gordon no Departamento de Polícia de Gotham. Paralelamente, em uma estratégia engenhosa e sensacional, o enredo também detalha o retorno do adulto Bruce Wayne após anos de viagem.


Logo, o objetivo a HQ é desvelar, durante o tempo de um ano, o progresso de dois personagens que, apesar de trabalharem em áreas distintas, lutam pela mesma causa: o fim da corrupção. Gordon, por um lado, está cansado de ver as ferramentas ardilosas com as quais os policiais subversivos trabalham. Bruce, por carregar o trauma de ser testemunha da morte dos pais, quer se tornar um símbolo que projete medo nos criminosos e, principalmente, quer levar justiça a uma cidade imersa nas sombras. 


Ano Um possui um conjunto de coisas que o tornaram clássico: um roteiro incrível e inovador, o qual retrata nuances ainda presentes na contemporaneidade, uma ilustração magistral e a apresentação de novas perspectivas para personagens icônicos, como Selina Kyle, e até mesmo a honestidade de Gordon sendo posta em questão.

Dessa forma, é deveras importante que um legítimo fã do Homem-Morcego pesquise e passeie pelas páginas de Batman: Ano Um, uma vez que a HQ tornou-se cânone e não é a toa que o seriado Gotham se inspire nela, e que o cineasta Christopher Nolan a tenha utilizado na composição de sua trilogia (As comparações são inevitáveis, especialmente com Batman Begins). Eis aqui mais uma obra que sabiamente usufruiu da realidade como matéria prima. Eis aqui mais uma prova de que um herói pode ser a luz no meio do caos.


Senhoras e senhores... Vocês comeram bem. Comeram a riqueza de Gotham... Seu espírito. O banquete acabou. De hoje em diante... Nenhum de vocês estará a salvo”. 

sexta-feira, 20 de março de 2015

Relatos Selvagens


No mundo do futebol, Argentina e Brasil são inimigos declarados. Essa rivalidade pode até ter bons motivos e fundamentações convincentes, mas o que realmente não se deve negar é o quão as duas nações são parecidas, e não apenas no quesito geográfico.


Relatos Selvagens, filme que representou a Argentina no Oscar 2015 na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, é uma narrativa sobre as alegrias (não no sentido convencional), surpresas e decepções do cotidiano, enfatizando na reação que um cidadão tem ao ultrapassar o limite do seu controle. 


A estrutura da exibição é dividida em seis histórias, o que remete muito a um livro de contos e crônicas. Tem-se o sujeito cujo plano de vingança é colocar todos os inimigos dentro do mesmo avião; a mocinha que se reencontra com o homem que desgraçou sua família; um desentendimento no trânsito que termina de maneira trágica; um homem que se sente saturado com o sistema burocrático e corrupto; um rapaz que atropela uma mulher grávida; e a esposa que descobre a traição do marido no meio da festa de casamento. 


O que todas têm em comum, além da introdução e desenvolvimento, é o ápice em que cada protagonista cruza a linha da ética social para a brutalidade e selvageria. Dirigido e roteirizado por Damián Szifron, Relatos Selvagens teria de tudo para ser caracterizado como uma obra dramática. 


No entanto, de modo sutil e inteligente, a trama possui em seu cerne um teor cômico, revelando que muitas vezes é interessante e humorística a forma como se perde a razão e a paciência. E o filme cresce ainda mais com o talentoso elenco, o qual se entrega completamente à subversão inerente ao caráter de seus personagens (Destaque para Erica Rivas). Surpreendentemente, termina com um clima tranquilo e positivo; porque, apesar das dificuldades, é preciso manter a esperança.


Em tempos de manifestações sociais, Relatos Selvagens corrobora para tecer uma semelhança entre Brasil e Argentina, como também de qualquer outra nação que reage perante uma ação impune e digna de ojeriza. Tudo isso mesclado na vertente Um Dia de Fúria, com Michael Douglas. Afinal, se a vida é uma floresta e as leis que a regem são severas, então é natural que a selvageria seja um item que não pode faltar no pacote. 


Trailer:

sexta-feira, 13 de março de 2015

Os Heróis do Olimpo - A Marca de Atena


A filha da sabedoria caminha solitária
A Marca de Atena por toda a Roma é incendiária
Gêmeos ceifaram do anjo a vida
Que detém a chave para a morte infinita
A ruína dos gigantes se apresenta dourada e pálida
Conquistada por meio da dor de uma prisão tecida”.

Sete meios-sangues responderão ao chamado, é o que diz o primeiro verso da Profecia dos Sete, recitada no final da série Percy Jackson e os Olimpianos. Não demorou muito e, quando a saga Heróis do Olimpo teve início, logo se descobriu que os versos proclamados eram um alerta para o retorno de Gaia. E sendo Rick Riordan um autor extremamente organizado, os leitores se perguntaram a quais personagens essa profecia se referia.   

É no terceiro volume da séria, A Marca de Atena, que o mistério se desfaz. Se o primeiro e segundo volume apresentou, cada qual, uma narrativa traçada em três perspectivas (Jason, Leo, Piper, Percy, Frank, Hazel), aqui o grupo se fecha com a presença da filha da sabedoria e também namorada de Percy Jackson, Annabeth Chase.

A trama começa exatamente onde o seu antecessor terminou: a chegada dos semideuses gregos no Acampamento Júpiter. Percy torna-se o mediador entre gregos e romanos, e os dois grupos se reúnem para discutir qual será o próximo passo para impedir que a Mãe Terra ressurja. No entanto, as coisas acabam de maneira trágica, e agora além de deter o despertar da deusa, o grupo dos sete tem que fugir da ira dos romanos. 

Para a sorte dos heróis, nem tudo está perdido. Uma nova profecia aparece e cabe a um filho de Atena buscar a Marca que está escondida em Roma, a qual é protegida por uma criatura horrenda. Se a Marca for encontrada, a animosidade entre romanos e gregos pode finalmente acabar.

Infelizmente, o tempo é curto e a destruição de Roma é iminente. Se a velha cidade cair, os deuses enfraquecerão e Gaia se fortalecerá. A missão se complica ao descobrirem que Nico Di Angelo, filho de Hades, foi sequestrado por dois gigantes, e o seu resgate é também de suma importância. 

Desta vez o enredo é narrado por quatro personagens, e novamente Rick mostra o conflito psicológico que um grupo de adolescentes tem de suportar para salvar o mundo; Annabeth sabe que ela foi a incumbida de encontrar a Marca de Atena, mas não acredita em seu sucesso; Leo se acha o excluído do grupo, porém pressente que terá uma função crucial até o fim da jornada; Piper tem estranhas visões dela e seus amigos se afogando; e Percy terá de enfrentar uma viagem que talvez seja apenas de ida.

A Marca de Atena prepara o leitor para as etapas difíceis que os queridos heróis terão pela frente. O clima de tensão é somente sufocado pela comédia irresistível, uma característica já típica da série, e os locais reais e históricos (Estreito de Gibraltar, Coliseu, entre outros) ajudam a embelezar a obra. Aqui, por meio de um final inesperado e surpreendente, a saga Heróis do Olimpo continua, comprovando que a Profecia dos Sete, tanto para o bem quanto para o mal, está cada vez mais próxima de ser consumada.   

sexta-feira, 6 de março de 2015

Whiplash - Em Busca da Perfeição


Eu pressiono as pessoas além do que se espera. Acho absolutamente necessário”.

Há alguns anos, Cisne Negro foi mais um dos exemplos do que a pressão é capaz de fazer com um indivíduo. A incessante busca pela perfeição traduzida no desempenho de Natalie Portman mostrou uma bailarina profundamente imersa na ansiedade e preocupação ao ponto de sua mente projetar alucinações, de tal forma que no clímax a personagem se sente de fato como um cisne.

Em Whiplash – Em Busca da Perfeição, a jornada de perfeccionismo que Andrew Neyman (Miles Teller) almeja é mais realista, visceral e, de certo modo, violenta. O rapaz de 19 anos entra para escola de música Sheifer com o objetivo de se tornar um renomado baterista, mas não imagina que o caminho será preenchido por dores e sacrifícios intensos.


Tudo muda quando Andrew cruza o caminho do professor Terence Fletcher (J.K. Simmons – impecável atuação). Ele não é apenas o maestro da orquestra, ele é o mestre da música, tanto na forma como os alunos o tratam quanto na maneira em que ele age; quando entra na sala, não se ouve barulho, e a disciplina reina.  


Logo fica claro que a disciplina de Fletcher é imposta por meio de métodos rigorosos e, dependendo do ponto de vista, cruéis; sua didática é exercida na base de xingamentos e humilhação, em uma tentativa de, segundo sua filosofia, fazer com que o aluno supere suas próprias limitações. No caso de Andrew, uma cadeira é arremessada em sua direção, e a partir daí o jovem baterista entra em uma penosa rotina de treinos, na qual será preciso abdicar da vida amorosa e social para alcançar o triunfo.  


Whiplash possui um cerne curioso. É o tipo de filme que começa humilde, sem grandes intenções, e inicialmente o único propósito é apresentar o tímido e solitário Andrew. Basta J.K. Simmons aparecer que a atmosfera ganha outra tonalidade, a trama se potencializa, e o ator consegue roubar a maioria das cenas que divide com Teller (A última delas, particularmente, é fantástica). E o fruto do trabalho foi o Globo de Ouro e o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. 


Intrigante também foi o processo técnico do longa. Com apenas 20 dias de gravação, o diretor Damien Chazelle, que escreveu o roteiro tendo como base a sua experiência em uma banda na juventude, editou a película em dez semanas para inscrevê-la no Festival de Sundance. Considerando o tempo recorde e todas as referências musicais que o filme contém, os prêmios de Melhor Filme e Melhor Diretor foram mais que merecidos.  


Whiplash – Em Busca da Perfeição, de certa forma, é aberto a interpretações; pode ser visto como um filme torturante, em que um jovem esquece a simplicidade e afunda na ambição e egocentrismo; ou uma lição de motivação, na qual um professor provoca o aluno a jamais desistir e o ensina que o caminho da perfeição exige ousadia e, às vezes – e literalmente, no caso de Andrew – é preciso sentir o próprio sangue nas mãos. Ao que parece, suor, conflitos, sofrimento, renúncias e um sonho talvez não sejam os ingredientes mais adequados de se misturar, mas podem proporcionar uma deliciosa obra de arte.    


Trailer: