sábado, 25 de agosto de 2012

A Viagem de Chihiro

 

O Brasil, quando analisado mais de perto, ganha novas feições, desdobramentos de outras culturas que se unem para formar uma nação mais intelectual, social e/ou artística. Isso é o que chamam de multiculturalismo, e tal fenômeno percorre por entre nossas veias mesmo que sutilmente. Gostamos de ver filmes hollywoodianos, de aprender línguas estrangeiras, nos entretemos com objetos eletrônicos de última geração. 

A lista é imensa, mas quero me deter somente a um item. Porque, se você, assim como eu, teve uma infância situada entre os anos 80 e 90, é quase certo que tenha se deixado encantar por desenhos japoneses. Esse legado foi preservado para a juventude de hoje, a qual parece se dedicar com mais afinco à fantasia que as animações japonesas são capazes de produzir. 

Ainda que a maioria destes desenhos aborde violência e, em alguns casos, temas sobrenaturais, há uma mensagem heroica por trás que instiga o espectador a despertar o lado nobre que compõe cada ser humano. Em A Viagem de Chihiro, animação japonesa de 2001 e dirigida por Hayao Miyazaki, é possível enxergar esses elementos de um modo emblemático e poético.


Chihiro é uma menina de dez anos que está triste por ter que se mudar para um local distante. No caminho para a casa nova, o veículo no qual ela e seus pais se encontram estagna no meio do percurso, em frente a um túnel misterioso. Os pais atravessam o túnel, sob as desaprovações da garota, e do outro lado se veem em um parque temático abandonado. Lá encontram uma barraca de comida e decidem se banquetear enquanto o sol se põe. Quando a noite cai, os pais de Chihiro se transformam em porcos e ela começa a ver vultos perambulando pelo parque. 

Ela logo percebe que um novo mundo está se revelando e que precisa sair dali e descobrir um jeito de devolver seus pais à forma humana. Haku, um garoto misterioso e aprendiz de feiticeiro, resolve ajudá-la e indica a rota para que ela se encontre com a bruxa Yubaba, a qual lhe dará um emprego na Casa de Banhos. Em meio à magia, criaturas estranhas, espíritos e deuses de origem inexplicável, Chihiro vai aprendendo que é preciso trabalhar duro para conseguir voltar ao mundo do qual pertence.

Vencedor do Oscar de Melhor Animação em 2003, a película adquiriu boas críticas em diversas nacionalidades, inclusive no Brasil. Pessoalmente, assistindo ao filme, pude observar um Alice no País das Maravilhas na versão oriental; a diferença é que com uma pitada maior de suspense, folclore e muita nocividade. E desconfio que algumas pessoas terão de assisti-lo mais de uma vez para poder entendê-lo. 

A Viagem de Chihiro tornou-se um clássico da animação japonesa, em que é perceptível as mudanças de uma garota mimada para uma pessoa mais humilde e humana em todas as etapas da jornada do herói. Obras desta estirpe enaltecem a importância de se conhecer os trabalhos de outras culturas e revelam que elas vão permanecer entre nós por muito mais tempo. A verdadeira viagem está apenas começando.

Trailer:

sábado, 18 de agosto de 2012

Cara Feia



Ano de eleição. Greves. Miséria. Corrupção.


É preciso dizer mais alguma coisa?




Cara Feia:

Cara feia... pra mim é fome
E cara alegre é a cara de quem come
Cara feia... pra mim é fome
E cara alegre é a cara de quem come
É, não me distraí, não me distraí
Me deixa aproveitar a sensação um pouco mais
A sensação de esperança que invadiu o meu peito
Não me envergonha com esse velho preconceito
Não me atrapalha agora não, por favor
Não me apavora com as notícias do terror
O seu terror psicológico e as previsões sinistras dos seus mapas astrológicos
Não vão fazer o papai aqui fazer pipi na cama
Não sou do tipo que tem medo de sair da lama
Nós não somos covardes
E nunca é tarde pra cuidar de quem a gente ama

A gente sabe se amar, a gente sabe se amar, a gente sabe da vida
A gente sabe somar, e quer saborear a soma dividida
A gente sabe se amar, a gente sabe se amar, a gente sabe da vida
A gente sabe sonhar, e desse sonho a gente não duvida

Cara feia... pra mim é fome
E cara alegre é a cara de quem come
Cara feia... pra mim é fome
E cara alegre é a cara de quem come

E quem não mata a fome, a fome mata
Quem não mata a fome some; quem não mata a fome, a fome come
(A fome não é só um nome) E tem também a outra fome, fora do abdômen
Cara feia... eu vi na cara de um cara que matou um homem, por causa dessa outra fome
Fome de vingança, vingança do destino
E essa cara eu já vi na cara de um menino
E os meninos assassinos vão se renovando
E vão nascendo, vão morrendo e vão matando
É que eles pensam que o crime é o único caminho
Pra chegar em qualquer tipo de comando
Mas se os meninos forem mais malandros
Vão saber que ser trabalhador não é ser otário
Um bom exemplo vem da nossa presidência
Porque lá quem tá mandando é um operário
Não faça cara feia de barriga cheia!
Não faça cara feia de barriga cheia! Não faça cara feia de barriga cheia!
Nem meta a colher em cumbuca alheia
Quem deixa um pé atrás
Nunca chega na frente
Quem tem medo do futuro
Vira escravo do presente
Não me enche com essa fome de derrota
Nem me bota nesse time que defende o pessimismo
Agora eu sei, cansei da linha burra que separa, desune
E empurra todo mundo pro abismo
O caminho é mais pro alto
No mar e no sertão, na favela e no asfalto
Todo mundo sente fome, fome de futuro
Pra que pichar, se eu posso derrubar o muro?
Não é com tanque, nem com trator
Não é com ódio, nem com rancor
Não é com medo, nem com terror
Minha campanha também é paz e amor.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

2 Coelhos

 

A morte cria um sentido pra nossa vida. Mais importante que isso: a morte cria um valor especial para o tempo. Se nosso tempo nessa terra fosse indeterminado, a própria vida perderia o sentido? Muito provavelmente ainda estaríamos com a bunda de fora e com uma lança nas mãos. A morte é o agente mais poderoso da natureza; ela vem para levar o velho e abrir espaço para o novo. Nosso esforço para evitá-la e fazer nossa curta estada aqui algo minimamente memorável, é o que nos motiva. Ou seja, só existe a vida porque existe a morte”. 

Uma experiência, quando inovadora, não oferece a garantia de que trará bons frutos. É uma questão de empatia do público para com o objeto. E, no caso do cinema, também depende do tempo no qual o espectador está situado. Em um país onde é possível contar nos dedos os filmes que abordam ação e efeitos especiais, simultaneamente, realizar experiências que contribuam para o avanço da produção nacional é algo sempre bem-vindo. 

Em 2 Coelhos, primeiro longa dirigido por Afonso Poyart, vemos não apenas uma mistura de gêneros distribuída de maneira coerente, como também há o acréscimo de animações (entre elas, uma ode aos jogos de videogame), referências da cultura pop/nerd e a aderência de uma trilha sonora internacional, passando por Radiohead e 30 Seconds To Mars. Essa junção de elementos audiovisuais abre as portas de uma nova perspectiva para o cinema brasileiro e talvez seja a promessa de um futuro promissor. 

Edgar (Fernando Alves Pinto) é um cara sem planos para o futuro, aparentemente vive em um mundo isolado e que, após se meter em um evento traumático o bastante para modificar vidas, passa uma temporada de dois anos em Miami e regressa ao Brasil com um plano de vingança, no qual pode matar dois coelhos com um único golpe.


O plano é apresentado de forma aleatória e não linear, assim como a introdução dos personagens, entregando ao espectador a oportunidade de reunir todas as peças por conta própria. O que seria possível, se não fosse o clima tenso e misterioso instaurado a todo instante. Logo percebemos quem são os vilões e qual a intenção de Edgar em fazer justiça com as próprias mãos contra um sistema corrupto que o salvou no passado. 

O elenco também é composto por Alessandra Negrini e Caco Ciocler, cada qual com seus segredos e respectivas finalidades, mais uma dádiva do roteiro. Com ótimas atuações e uma câmera lenta que foca a ação e a expressão dos atores, 2 Coelhos torna-se mais atrativo no decorrer da exibição e, em alguns momentos, há quem pense que não se trata de uma produção nacional.


Afonso Poyart, veterano na área das animações, nos entrega um filme de estilo inusitado, o qual, se houver investimento, pode criar ou até mesmo incentivar o desenvolvimento de um novo tipo de espectador no Brasil. É claro que, em algumas cenas, não há novidade; tiroteio, favela e suborno. O próprio Edgar, o “herói torto”, não escapa do lado ganancioso que perpassa nossa nação. 

Mas a mensagem é outra e a poesia de 2 Coelhos pode ser encontrada na coragem (a cena de Alessandra Negrini com a espada samurai, retalhando seus demônios, é sublime). Poyart mostrou que uma direção visionária e novata, aliada a uma produção empenhada com um toque de sonho, consegue chegar a um resultado melhor do que se pensa. Enfim, uma experiência que deu certo.

Trailer:

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

As Formigas



Estavam aqui 100 milhões de anos antes de nós e, se considerarmos o fato de que foram um dos raros organismos a escapar da bomba atômica, continuarão aqui por mais 100 milhões de anos depois de nós. Não passamos de um acidente de três milhões de anos na história delas. Aliás, se extraterrestres desembarcarem um dia em nosso planeta, não vão se enganar. Sem dúvida alguma hão de querer conversar com elas. São as verdadeiras donas da Terra”. 

Ano passado, ao assistir o filme Planeta dos Macacos: A Origem, lembro-me de ter ficado fascinado com a capacidade encantadora que o enredo teve de induzir o espectador a torcer a favor dos macacos e, consequentemente, ficar contra a própria espécie. A ideia dos homens serem subjugados por uma raça aparentemente inferior foi bem recebida e serviu como pretexto para respeitarmos os seres que compõem à natureza. 

Entretanto, após a leitura de As Formigas, esse respeito tem que ser muito mais admirável. No primeiro volume da trilogia O Império das Formigas, publicada no Brasil pela editora Bertrand Brasil, o autor Bernard Werber nos transporta, por meio de uma escrita minuciosa (até demais), ao mundo subterrâneo dos infraterrestres. A riqueza da descrição dos cenários e dos detalhes é o resultado de 15 anos estudando a civilização das formigas. 

O romance é dividido em dois núcleos que se intercalam constantemente. No início somos apresentados à família Wells. Jonathan se muda para casa que herdou de seu tio Edmond, juntamente com a esposa e o filho. Tudo parece bem até Jonathan descobrir uma mensagem do falecido tio deixada para ele, avisando-lhe para jamais descer ao porão da residência. Contrariando a ordem, ele desce e se depara com um mistério que permeia toda a trama, englobando a segurança de sua família e atiçando uma investigação policial. 

O segundo núcleo pertence, é claro, às formigas. Aqui acompanhamos a aventura de três formiguinhas cidadãs de Bel-o-kan, o maior formigueiro da região. O suspense se desenrola quando uma delas descobre a existência de uma arma mortífera, a qual pode matar um animal sem deixar vestígios. Além disso, um grupo de formigas rebeldes se infiltrou no formigueiro e está disposto a liquidar qualquer inseto que tentar desvendar o que acontece nas raízes da cidade. O trio tem uma longa jornada pela frente e precisa entender o que se passa ao seu redor. 

Durante quase toda a leitura, a parte condizente aos humanos é a mais atrativa. Nela, o clima misterioso é cômodo e intrigante, relacionando biologia com psicologia, filosofia e, inclusive, um pouco de religião. A parte das formigas, por ser descritiva ao extremo, pode se entediante para alguns em certas passagens. Contudo, o que torna a leitura válida são as informações e curiosidades presentes por toda a obra, transformando os insetos – as formigas, especificamente – em seres bem mais interessantes e deslumbrantes do que se imagina. 

Talvez o maior triunfo de As Formigas seja o seu final, no qual os dois núcleos se encontram, de uma forma absurda e impressionante, revelando que grandes coisas, equivalentes aos acontecimentos mostrados em Planeta dos Macacos: A Origem, estão para acontecer nos dois livros seguintes. Bernard Werber, através do primeiro volume de sua trilogia, mostra que devemos tomar cuidado com as formigas. Afinal, elas habitam o planeta desde 100 milhões de anos antes de nós e sua civilização mundial já ultrapassa a marca de um bilhão de bilhões de indivíduos. Elas estão por toda a parte e essa é uma bela razão para ficarmos preocupados.