* Como esta semana estou meio sem assunto, resolvi publicar esse texto de minha autoria, ainda que de maneira relutante. Já escrevi coisas melhores que essa, como A Menina que Matava Livros, mas aí está para quem curte textos pedagógicos. A foto no início da postagem foi tirada por mim em mais uma de minhas empreitadas fotográficas durante as férias de verão, e foi também minha fonte de inspiração para a criação desse texto. Boa leitura.
De repente, o tempo fechou.
Uma nuvem intensamente nebulosa e gigantesca sobrevoava uma pequena cidade. Pronta para despejar sua carga torrencial, ela hesita ao escutar algo inusitado.
Uma voz. Lá de baixo.
- Nuvem!
A nuvem achou aquilo muito estranho. Que tipo de ser humano perderia seu tempo tentando conversar com uma nuvem? Era coisa de louco.
Quando olhou para baixo, porém, ela viu que não era uma pessoa que gritava. Para seu espanto, percebeu que em meio às várias casas uma antena de rádio destacava-se balançando de um lado para o outro, tentando chamar sua atenção.
- És tu que me chamas? – a Nuvem perguntou.
- Sim – respondeu a Antena. – Desculpe o incomodo, mas reparei que a senhora é bem grande e está prestes a... Como posso dizer... Jogar o seu “pacote” aqui para baixo, não é?
- Por acaso você se refere à chuva?
- Sim.
- Correto. Vai chover canivete para vocês aí de baixo.
- Então... A senhora poderia me fazer um favor?
- Acho bastante improvável, mas não custa tentar. Do que se trata?
- Será que a senhora poderia chover um pouco mais pro lado de lá?
A nuvem achou o pedido muito esquisito.
- Por quê? – ela perguntou, curiosa.
- É que a senhora é tão grande que dá pra perceber que vem chuva forte por aí – explicou a Antena. – E como eu sou uma antena frágil, tenho medo que o temporal me derrube.
A Nuvem soltou uma gargalhada.
- Que petulância! Não posso evitar uma chuva só por sua causa. Iria contra os meus princípios. Fazer chover faz parte da minha essência de nuvem.
- Então para você não faz diferença se permaneço de pé ou caio?
- Tenho coisas mais importantes com que me preocupar.
- Como o quê?
- Levar água para os que necessitam. O sertão, por exemplo, que é devastado pela seca quase o ano inteiro. Você precisa ver a emoção nos olhos do velho sertanejo ao presenciar a transição do que antes era seco, transformar-se em algo verde. A chuva para muitos traz felicidade, e garanto que várias pessoas da sua cidade pensam da mesma maneira.
- Já disse que não posso evitar a chuva, mesmo que eu quisesse. Não dá para lutar contra as leis da natureza!
- Por favor, não! Não!
Tarde demais. Como uma boca aberta pronta para cuspir saliva, a nuvem lançou gotas e mais gotas em direção a terra, trazendo uma chuva que há muito a cidade não tinha a oportunidade de ver.
Quando terminou, a nuvem olhou para baixo. A antena não conseguiu resistir. Estava caída no chão, derrotada.
Certo dia, a nuvem volta a passar pela mesma cidade, pronta para novamente despejar seu arsenal. Quando olha para baixo, uma surpresa: a antena estava de volta ao seu lugar, nova em folha.
- Retornou do mundo dos mortos? – indagou a Nuvem.
- Vai querer repetir o pedido? Porque agora vai chover tão forte quanto da última vez.
- Fique à vontade.
A Nuvem estranhou a atitude da Antena. Onde estava todo aquele medo?
- O que deu em você? Acha que estou blefando?
- De modo algum. Acredito no seu potencial.
- E o que é, então? Você está diferente.
- Desta vez estou mais confiante.
- Posso saber por quê?
- Claro – disse a Antena. – Você disse que a chuva traz felicidade. E estava certa. Graças a você, consegui encontrar alegria no meio da desgraça. Após aquela chuva, o que restou de mim foi utilizado para a construção de uma antena mais moderna e duradoura. Assim como na vida, precisamos aprender a levantar quando caímos em frente a um obstáculo, seja sozinho ou com a ajuda de amigos. Temos que ultrapassar barreiras que nos impedem de crescer. Agora eu entendo. Por isso, pode chover o quanto quiser desta vez. Não tenho nada a temer.
- Está bem. Você que pediu.
A Nuvem deu tudo de si. Lançou sobre a cidade uma chuva pior que a anterior. Águas descontroladas inundaram ruas, o vento enfurecido envergou árvores e até os raios deram o ar da graça.
Não tendo mais forças, a nuvem parou e olhou para baixo.
A antena estava intacta. Imóvel.
A nuvem ficou embasbacada.
- Como pode? – perguntou.
- Eu te disse – lembrou a Antena. – Estou mais forte e mais confiante. Para me derrubar de novo, será preciso um dilúvio.
Foi a partir daquele dia que a nuvem aprendeu o significado de dar a volta por cima. Anteriormente a antena havia demonstrado fraqueza e medo, mas agora exibia coragem e autoconfiança.
É preciso cair para aprender a levantar.
E assim renascer das cinzas.
Leonardo da Vinci F. da Cunha.