“Onde há corrupção e justiça, há dinheiro”.
A palavra justiça, somada à honestidade, é quase sempre motivo de zombaria em um país repleto de desigualdade social e que sofre há décadas com corrupção no meio político. E quem acabou de ler isso deve ter percebido que essa é uma das descrições mais populares que podem ser atribuídas ao Brasil e que, por conseguinte, cai como uma luva na temática proposta em Trash – A Esperança Vem do Lixo.
Sob o comando do diretor americano Stephen Daldry (de Billy Elliot), um suspense tipicamente encontrado em filmes norte-americanos é perceptível nos minutos iniciais, os quais nos levam a acompanhar José Ângelo (Wagner Moura) em uma fuga para proteger sua carteira. O objeto é jogado dentro de um caminhão de lixo e seu destino não poderia ser outro: o lixão.
O mistério cresce em torno da carteira ao passo em que ela é encontrada por Raphael (Rickson Tevez), um catador de lixo. Ao lado do amigo Gardo (Eduardo Luís), ambos julgam ter encontrado um pote de ouro, já que além de conteúdos indecifráveis, ali contém muito dinheiro. Porém, a polícia logo chega para vasculhar o lixão em busca da carteira, e o tenente Frederico (Selton Mello) tem ordens para matar qualquer um que se interpor entre ele e o cobiçado objeto.
Como todo menino curioso, os dois amigos pedem a ajuda de Rato (Gabriel Weinstein) no intuito de que as informações deixadas na carteira pelo antigo dono passem a ser desvendadas. Contudo, à medida que as descobertas são feitas, o trio começa a entender a importância do objeto e o quão arriscado é levar essa empreitada adiante, pois a vida de todos os envolvidos está em risco.
Baseado no livro de Andy Mulligan, o filme retrata a dicotomia que pode ser observada em um país tropical, turístico, e aparentemente organizado como o Brasil. Na lente de Daldry, a feiura e a beleza do ambiente e das situações são reveladas tanto pela perspectiva dos personagens americanos Olivia (Rooney Mara) e o padre (Martin Sheen) quanto pelo olhar de uma criança e também daqueles tupiniquins que lutam pela justiça. A cena em que um dos garotos é torturado exemplifica isso; tecnicamente, muito bem feita, e a trilha sonora clássica a deixa ainda mais impecável. Mas a sordidez e a brutalidade cínica da corrupção e dos opressores estão contidas ali, incomodando igual a uma farpa no dedo.
As impressões que o filme pretende deixar são fortalecidas pelas atuações. Embora não apareça tanto, Wagner Moura encarna singelamente um personagem de extrema importância na trama e que, de modo indireto, é o guia na jornada dos meninos. Selton Mello também está formidável, com uma vilania contida capaz de criar uma tensão impactante. E mesmo que o trio mirim seja inexperiente, cada qual conseguiu transmitir uma emoção cativante.
O discurso político de Trash – A Esperança Vem do Lixo, afinal, é similar ao de outras produções tupiniquins, como Tropa de Elite. Se há uma oportunidade de lutar por aquilo que é certo, então faça barulho, grite, seja ouvido. Essa ideologia manifesta o fato irônico e contrastante de que coisas consideradas sujas podem gerar consequências bonitas; um ato de corrupção pode acarretar em liberdade e justiça social; um menino pobre pode querer melhorar o país; uma carteira encontrada no lixo pode levar bandidos à cadeia. A esperança vem da honestidade.
Trailer: