“Na minha opinião, todo mundo tem seu milagre. Por exemplo, muito provavelmente eu nunca vou ser atingido por um raio, nem ganhar um Prêmio Nobel, nem ter um câncer terminal de ouvido. Mas, se você levar em conta todos os eventos improváveis, é possível que pelo menos um deles vá acontecer a cada um de nós. Eu poderia ter presenciado uma chuva de sapos. Poderia ter me casado com a Rainha da Inglaterra ou sobrevivido meses à deriva no mar. Mas meu milagre foi o seguinte: de todas as casas em todos os condados da Flórida, eu era vizinho de Margo Roth Spiegelman”.
O norte-americano John Green parece gostar de esquadrinhar os meandros das variadas perspectivas que a juventude pode proporcionar. Em A Culpa é das Estrelas, o mote de Hazel Grace, de certo modo, é a incerteza da vida, o que a compele a traçar um rumo e aproveitar o tempo que lhe foi concebido. Em Cidades de Papel, embora o protagonista não seja portador de câncer, ele também precisa de uma razão que o faça sair da mesmice.
Quentin Jacobsen é um adolescente que está no último ano do Ensino Médio. Diferente dos melhores amigos, Radar e Ben, ele está pouco se importando com o baile de formatura e recentemente saiu de um relacionamento. Mas ele sente uma paixão platônica por sua vizinha, Margo Roth Spiegelman, desde que ambos tinham dez anos e encontraram um cadáver no parque.
Inesperadamente, quase nas vésperas do fim das aulas, Margo aparece na janela do quarto de Q e o convida para uma jornada noturna, repleta de planos de vingança e subversão. É durante este passeio nada convencional que Margo explica o termo “cidades de papel”, referindo-se a pessoas vazias, sem caráter e que se rendem facilmente aos padrões sociais.
Quentin tem a certeza de que essa foi a melhor noite da sua vida e imaginou que sua rotina na escola mudaria consideravelmente. Porém, no dia seguinte, Margo desaparece e desta vez seus pais não fazem ideia da onde ela possa estar. E é aí que Q encontra seu mote: Margo deixou pistas para ele. Sendo assim, o garoto, com a ajuda de seus amigos, segue as pistas na esperança de encontrar sua vizinha antes que ela faça alguma bobagem.
O realismo, novamente, é o elemento primordial na narrativa de Green. Se em A Culpa é das Estrelas temos a morte como uma ceifadora implacável, cercando o cotidiano dos personagens, aqui temos o olhar ingênuo – e até egocêntrico – de um adolescente a respeito de muitas coisas, em especial na maneira como enxerga as pessoas; esse olhar vai ficando mais maduro à medida que a fase adulta se aproxima e a imagem ideal da sua amada vai se desconstruindo.
John Green utiliza Cidades de Papel para uma bela lição de moral, em que é preciso despertar para se autoavaliar e descobrir se o material do qual somos feitos é papel ou não. As conclusões que Quentin adquire ao final servem para qualquer faixa etária, pois todos, em algum momento, precisam de um estopim para perceber a importância do outro e sentir que o medo de sofrer é uma característica comum. Os fios se entrelaçam e se rompem, as raízes se aprofundam e morrem, o papel voa e segue na direção que o vento soprar. É o milagre da vida.
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