“Sofia achou a filosofia particularmente excitante, pois ela conseguia acompanhar todas as reflexões com sua própria razão, isto é, sem precisar se lembrar de tudo o que tinha aprendido na escola. E chegou à conclusão de que, basicamente, não se pode aprender filosofia. O que se pode aprender é a pensar filosoficamente”.
Há talvez quem discorde desta assertiva, mas acho que o indivíduo que possui um caráter leitor bem fundamentado provavelmente já deve ter acreditado, assim como eu, que existe um tempo certo para se ler determinados livros. É algo que depende tanto do contexto em que a pessoa está situada quanto do aprendizado que foi adquirido no decorrer dos anos, e não há limites para a idade.
O fato é que nem todo o livro que temos a curiosidade de ler pode estar a nossa mercê no momento que queremos. Não é assim que funciona o comércio da leitura. A questão é que O Mundo de Sofia me perseguiu por muito tempo e foi somente depois de várias aulas de filosofia, e uma graduação inteira, que finalmente consegui pôr as mãos nesta tão famosa e consagrada obra.
Jostein Gaarder, escritor norueguês, consegue implantar o mistério desde o início de sua narrativa. Sofia Amundsen é uma menina de 14 anos que, nas vésperas do décimo quinto aniversário, começa a receber cartas intrigantes. As epístolas, inicialmente, contêm perguntas curiosas, como, por exemplo, ‘Quem é você?’ e ‘De onde vem o mundo?’.
Essas simples indagações são o prefácio para as reflexões de Sofia e, consequentemente, para sua jornada filosófica, uma vez que, logo em seguida, as cartas se transformam em aulas e passam a vir assinadas por Alberto Knox, o qual se apresenta como o seu professor de filosofia. A cada capítulo que passa, a menina assimila um novo conteúdo do vasto mundo filosófico, desde o Jardim do Éden, passando pelos pré-socráticos – e também algumas escolas como o Barroco e Romantismo –, e culminando nos estudos cósmicos, incluindo na implosão do universo.
Contudo, se o enredo se resumisse apenas a isto, a obra de Jostein seria somente um manual de filosofia, tornando a história completamente enfadonha em um quadro geral. O que alimenta o leitor, porém, são os mistérios paralelos. Na medida em que conhece mais da filosofia, Sofia também vai recebendo cartões-postais do Líbano de um major desconhecido, endereçados a outra garota chamada Hilde Knag. Diante de um enorme quebra-cabeça, cabe a Sofia unir as peças e descobrir qual a relação do seu curso de filosofia com esse major e, sobretudo, qual o papel da enigmática Hilde.
É possível que Jostein, em uma manobra literária bastante corajosa, prenda o leitor mais pela curiosidade de querer ver esses mistérios resolvidos do que pela vontade de aprender filosofia. A quantidade de informação é tão alta e densa, que é recomendável parar e respirar várias vezes durante a leitura. Entretanto, alguns elementos que são acrescentados à narrativa, como o fato de Sofia conversar pessoalmente com Platão na Grécia Antiga, ver de perto famosos personagens de desenhos e contos, e ainda todo o arco metalinguístico que se revela de uma maneira profundamente inimaginável, servem para amenizar e salvar o livro.
A obra foi publicada em 1991 e ganhou uma versão cinematográfica norueguesa em 1999. Em O Mundo de Sofia, o leitor acompanha o olhar de uma menina, a qual tenta compreender um mundo repleto de injustiças, crenças e ensinamentos, mesmo que para isso seja necessário quebrar as leis da razão. Ao final do curso, fica a vontade de ser um pouco igual a ela. E embora o meu encontro com a obra tenha demorado a acontecer, acredito que veio no momento certo. Foi um prazer, Sofia.