segunda-feira, 30 de maio de 2016

X-Men: Apocalipse


 Tudo o que eles construíram, cairá. E das cinzas desse mundo, construiremos um melhor”.

A palavra apocalipse, no grego, significa “revelação”. Já no imaginário popular, o vocábulo ganhou fama por se referir ao fim dos tempos, uma vez que o último livro do Novo Testamento, escrito pelo apóstolo João, relata como será parte desse final conhecido por ser deveras tenebroso.  

Nos quadrinhos, o vilão Apocalipse nasceu na década de 1980 e já enfrentava os Filhos do Átomo desde sua primeira aparição. O personagem foi ganhando destaque e força, pregando filosofias de que apenas os mais fortes são capazes de sobreviver ao mundo, e se consagrou como um dos maiores nêmeses dos X-Men. Por essas e outras que o novo filme dos mutantes, X-Men: Apocalipse, era aguardado com certa curiosidade. 


O enredo tem início no Egito Antigo, onde a população adorava En Sabah Nur, provavelmente o primeiro mutante registrado na História. Após ter passado milênios em estado de hibernação, Apocalipse (Oscar Isaac) desperta em 1983 e percebe que o mundo é dominado pela raça que ele sempre julgou inferior: os humanos.

O mutante imediatamente começa a traçar um plano para que o mundo reconheça quem de fato é digno de adoração. Ele convoca seus Quatro Cavaleiros, Tempestade (Alexandra Shipp), Arcanjo, Psylocke (Olivia Munn), e Magneto (Michel Fassbender) para que juntos possam sedimentar uma nova era em todo o planeta.   


Depois que Dias de Um Futuro Esquecido desconsiderou tudo o que foi feito na primeira trilogia, a franquia ficou diante de uma nova linha temporal, na qual o diretor Bryan Singer e sua cúpula de produtores teriam a chance de não cometer mais erros cronológicos e equiparar o produto mais lucrativo da Fox a padrões louváveis como os da Marvel. Infelizmente, nada é perfeito, e Singer entrega o filme mais fraco da nova trilogia.


Algo que incomoda desde os primórdios é que os longas de X-Men sempre trabalham com uma quantidade demasiada de personagens, o que faz com que muitos conhecidos e queridos pelos fãs de quadrinhos acabem tendo uma importância ínfima nas telonas. Neste é o caso de Jubileu, que sequer mostra seus poderes, Anjo e Psylocke, estes dois últimos com meia dúzia de falas e que cuja relevância se resume nas batalhas. Porém, o pior de tudo é que essa falha também respinga no vilão. Apocalipse não é assustador e sua origem é um mistério do início ao fim; ora, se o sujeito foi o primeiro mutante de todos, por que não explicar um pouco de seu gênesis para o público?


Nesta aventura em particular é notável a preocupação em enaltecer a computação gráfica do que em desenvolver e estreitar os vínculos entre os mutantes. X-Men é, antes de tudo, uma equipe – e, por que não dizer, uma família – e no único instante em que o filme tem a oportunidade de mostrar isso (o passeio do shopping), a produção faz questão de cortar a cena. Os efeitos especiais e a ação poderiam fazer com que as rachaduras da trama fossem esquecidas, no entanto, fica a impressão de que o clímax foi feito com desleixo e a edição não teve tempo de finalizar a luta antes do prazo.


Há, sem dúvidas, detalhes que se salvam. O excelente elenco, mais uma vez, consegue sustentar o roteiro com dedicação e maestria. James McAvoy e Michael Fassbender parecem estar ainda mais familiarizados com Charles Xavier e Magneto (este com um arco interessante), em atuações sinceras e envolventes. Os novatos Ciclope (Tye Sheridan) e Jean Grey (Sophie Turner) também não fazem feio, revelando que em breve a formação clássica estará estabelecida. Oscar Isaac se esforça em ter uma postura vilanesca, embora Mística (Jennifer Lawrence, que quase não aparece na sua forma azul) tenha seu prestígio diminuído ante ao estrelato de sua intérprete.  


X-Men: Apocalipse tem seus holofotes voltados para um vilão que deixa a desejar, prejudicando outros personagens e atrapalhando também o percurso do filme ao trocarem um bom drama simplificado pela grandiloquência. Em meio a erros e acertos (Mercúrio na mansão e a cena final, por exemplo), Apocalipse encerra mais uma fase cinematográfica dos mutantes, direcionando os Filhos do Átomo não para uma conclusão definitiva, e sim para um recomeço. Se o futuro da equipe será próspero ou não, apenas o próximo capítulo dirá.  

Trailer:

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Mata-me, ó Deus


Depois da água, veio a neve. Depois da neve, os vírus, antropófagos invisíveis. Se construímos um abrigo, o mesmo é derrubado pelas convulsões dos doentes. Com o tempo, passamos a deixá-los ao relento, quase por piedade. Não sabemos quem ficará do lado de fora amanhã. Não há salvação. Não existe Alquimista”.

O físico Albert Einstein sabia da profundidade contida nas suas palavras quando proferiu uma de suas célebres frases: “A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original”. E após a leitura do quadrinho Mata-me, ó Deus, torna-se engraçado imaginar a mente dos leitores em um estado catatônico e entorpecente, ao passo que se amplia para aceitar o que viu nas páginas da obra.

A HQ tem roteiro de Marcos Guerra, desenho de Marcos Garcia e arte final de Carlos Alberto, membros do Coletivo K-Ótica, um dos poucos exemplos de companhias que lutam para que o gênero textual dos quadrinhos ganhe cada vez mais espaço no Rio Grande do Norte. A obra, inclusive, foi um dos destaques da FIQ 2015, o maior festival de quadrinhos do Brasil.

É difícil esmiuçar o enredo, uma vez que a HQ é curta, embora carregada de significações e alegorias. O que o leitor curioso precisa saber é que o cenário é pós-apocalíptico, em um futuro no qual as águas cobriram os continentes e o que restou de terra é assolada pela neve. Os poucos sobreviventes procuram por uma entidade chamada Alquimista, que pode (ou não) oferecer-lhes uma oportunidade para instituírem uma nova economia.

O clima caótico e tétrico da trama é complementado pelo belíssimo trabalho artístico de Garcia e Alberto, cujo detalhe do traço de cada personagem faz com que a imersão aconteça com mais fluidez. O interessante é que Mata-me, ó Deus é isento de cores; essa ausência de vivacidade corrobora para que a sensação de ruína e desespero seja aprofundada.  O que há é o registro do preto e do branco, o que permite que a obra tenha uma dualidade peculiar, se aqui couber o ar do paradoxo, de um pessimismo esperançoso.

Somando o roteiro e a arte, Mata-me, ó Deus é permeado por elementos de mitologia oriental e filosofias emblemáticas. É possível que alguns leitores não atinjam a catarse proposta pelo quadrinho, mas, como o grande renascentista Leonardo Da Vinci certa vez disse, a pintura é uma poesia que se vê e não se sente. Portanto, que os fãs e os estimulados deixem suas mentes se abrirem para mais trabalhos artísticos dessa qualidade e que se deliciem com as possibilidades que Mata-me, ó Deus sugere para o futuro.     

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Capitão América: Guerra Civil


Nosso trabalho é tentar salvar o máximo de pessoas possível. Às vezes isso não significa todo o mundo. Mas você não desiste”.

Os números falam por si. Doze filmes, duas fases, quatro séries de TV na atualidade (com mais quatro em desenvolvimento), alguns curtas-metragens e milhares de quadrinhos para se inspirar. Parece um conto de fadas imaginar que um projeto iniciado em 2008 pudesse gerar vários bons frutos, mas esse é o legado que o Universo Cinematográfico da Marvel vem construindo ao longo de tantos anos.


Talvez nem o produtor Kevin Feige suspeitasse que seu projeto ambicioso pudesse dar certo. Os fãs compraram a fórmula de universo compartilhado, uma vez que se trata de um reflexo do universo dos quadrinhos, e a produção logo tratou de dividir sua enorme franquia em fases. E tendo a Fase 2 terminado em Homem-Formiga, a Fase 3 chega com diversas promessas e com um maravilhoso início: Capitão América: Guerra Civil


Vingadores: Era de Ultron terminou com a destruição de Sokovia e centenas de civis mortos, assim como mostrou a nova formação da equipe de heróis. Guerra Civil tem início com o novo grupo em uma missão, a qual tem um desfecho trágico. A fatalidade faz com que o General Ross, apoiado por Tony Stark (Robert Downey Jr.) – este com uma sobrecarga bastante dramática –, force Capitão América (Chris Evans) e companhia a assinarem o Tratado de Sokovia, documento que concede ao governo a autoridade para controlar as ações dos Vingadores.   


E a divisão logo fica evidente: Steve Rogers é a favor da liberdade, Tony está ao lado do governo. O interessante é que a narrativa, muito bem estruturada pelos roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely, não induz o espectador a decidir em qual lado deve ficar. Tratando-se apenas de uma jogada de marketing, do mesmo modo que aconteceu com Batman vs. Superman (e as semelhanças não ficam somente neste aspecto), o conflito entre Homem de Ferro e Capitão América acontece de maneira natural e gradativa. Não é uma luta entre dois oponentes que se odeiam e pretendem matar um ao outro; é um desentendimento entre dois amigos, e é importante lembrar que ambos já entraram em desacordo em filmes anteriores.


Essa perspectiva pode desagradar o fã dos quadrinhos que espera assistir no cinema uma das maiores aventuras do Capitão América. A questão é que a Disney é proprietária da Marvel, o que significa que as mortes que acontecem na HQ não necessariamente vão ser adaptadas para o longa. Outra questão que prejudica a trama é que a Marvel não detém os direitos de todos os personagens dos quadrinhos, fazendo com que ícones como Quarteto Fantástico e X-Men fiquem de fora e também reduzindo a “guerra” a pequenas lutas.


Os irmãos Anthony e Joe Russo, diretores de Capitão América 2 – O Soldado Invernal, retornam ao posto na tentativa de reprisar o sucesso do antecessor. O desempenho da dupla é esplêndido; as batalhas, especialmente a cena do aeroporto, são extremamente bem coreografadas e os personagens são como peças de xadrez em um enorme tabuleiro. A estratégia dos Russo revela-se eficaz ao exibir o embate de cada herói, sem fazer em momento algum com que o espectador se sinta perdido. Na verdade, a harmonia e o sincronismo são elegantes, algo que se repete na luta final (O escudo trocando de mão em rápidos movimentos, por exemplo), e seria possível passar um longo tempo admirando os Vingadores brigando entre si. 


No entanto, Guerra Civil também tinha outros objetivos a cumprir. Aqui se encerra o ciclo de Steve Rogers em busca do Soldado Invernal, ao passo que se inicia a introdução do Pantera Negra e do mais recente Homem-Aranha (resultado do acordo contratual entre Sony e Marvel). E a escalação do elenco não poderia ter sido melhor, com Chadwick Boseman mostrando toda a postura da realeza de Wakanda e Tom Holland sendo talvez o Amigão da Vizinhança mais engraçado e simpático já visto no cinema. 


Capitão América: Guerra Civil não é o melhor filme da Marvel, possui falhas (Zemo é uma delas, embora seu futuro tenha ficado em aberto), mas mostra a responsabilidade que toda a produção teve ao trabalhar com apenas um determinado time de heróis. O pontapé inicial da Fase 3 é excepcional e as cenas pós-créditos de Guerra Civil apontam os novos caminhos que o universo Marvel pretende seguir. Ainda resta muita coisa a ser acrescentada nesse legado e, até lá, milhares de pessoas para conquistar.     

Trailer: